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Por que acreditar na ciência?

#Ciência et al. (Especiais temáticos repletos de informações científicas)

Entender como a ciência funciona é o melhor caminho para confiar nela

Destaques
Mais que um conjunto de conhecimentos, a ciência é um método, uma forma de olhar para o mundo e obter conhecimento;
– A ciência não tem verdades absolutas, mas este é um dos seus fortes: está sempre mudando à medida que novas descobertas e saberes se estabelecem;
– As características do conhecimento científico justificam que este seja usado para tomar decisões políticas e sociais, diferentemente de outros conhecimentos, que podem ser mais relevantes para os indivíduos.

Muito tem sido falado sobre a necessidade de confiarmos mais nos cientistas e no método científico, mas, concordando ou não com isso, você já se perguntou sobre por quê podemos confiar na ciência e o que a diferencia dos outros tipos de conhecimento? Afinal, ela é conduzida por humanos, portanto também está sujeita a erros, não é mesmo?

Pensemos nas alternativas: se eu não me baseio na ciência para obter informações e tomar decisões, devo me basear em alguma outra fonte. Desse modo, existem vários outros tipos de conhecimento, e cada um deles tem suas características quanto a onde podem ser aplicados, como são registrados e passados adiante, qual linguagem usam, e quais meios utilizam para obter novas informações. Por exemplo, no conhecimento tradicional (ou local), as informações são passadas de geração em geração por meio de costumes regionais, também chamados de tradições. Normalmente contam com uma linguagem informal, e muitas vezes nem são escritos, são apenas passados oralmente entre os membros de uma comunidade. O conhecimento tradicional pode trazer dicas preciosas, por exemplo, uma comunidade agrária pode ter a tradição de cultivar certa planta apenas em determinada época do ano. Ainda que não saibam exatamente o motivo de isso dar certo, este conhecimento foi adquirido pelas experiências de vida de pessoas em gerações passadas, e são importantes dentro do contexto de sua comunidade. Talvez a temperatura nessa época seja ideal, ou talvez o regime de chuvas; mas note que se tentarem este mesmo cultivo, nesta mesma época, em outro lugar do mundo, pode não dar certo – dezembro é quente no Brasil, e frio no Canadá!

O conhecimento científico tem outras características. Ele conta com uma linguagem mais formal e detalhada, porque precisa de termos muito precisos para evitar múltiplos sentidos possíveis em uma palavra ou frase. Além disso, ele é muito cuidadosamente registrado em bases de dados e periódicos/revistas científicas – falaremos mais delas à frente. A ciência tem a intenção de investigar regras gerais sobre como as coisas funcionam, de modo que essas regras possam ser confiáveis em qualquer lugar, tempo ou contexto, bem como ser reproduzível. Para isso sua forma de obter mais conhecimentos é metódica. Existem várias ferramentas que cientistas podem usar, mas neste texto vamos nos dedicar ao chamado “método científico”, como costuma ser ensinado nas escolas. Este método é o mais comumente utilizado, e o mais fácil de se compreender.

Podemos dividir o método científico em 6 etapas: Observação, Hipótese, Experimento, Análise, Conclusão e Comunicação. Vamos usar um exemplo para entender esses passos: um indivíduo tem 2 vasos com a mesma planta, mas um deles (o vaso A) está num local que recebe muito sol, e o outro em área mais sombreada (vaso B). O indivíduo observa que o vaso A está com a planta crescendo, bem verde e vistosa, enquanto a planta no vaso B está sobrevivendo por pouco. Ele então formula uma hipótese, ou seja, uma proposta de explicação para o que foi observado: “talvez a luz do Sol esteja fazendo bem à planta A”. Ele então pode fazer um experimento, ou um teste: trocar os vasos A e B de lugar. Algumas semanas depois ele analisa seus resultados: a planta B agora está muito mais forte e bonita, mas a planta A começou a definhar. Ele conclui que sua hipótese estava correta, e comunica a todos os seus amigos que gostam de plantas sobre sua descoberta.

Ilustração das etapas básicas do método utlizado pra fazer ciência
Ilustração das etapas básicas do método científico. Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/quimica/metodo-cientifico.htm


É claro que o exemplo acima é uma simplificação grosseira, mas a partir dele podemos discutir o que transformaria essa história em uma verdadeira investigação científica. Primeiramente, pode parecer óbvio para nós que o sol faria diferença, mas isso só é óbvio agora porque alguém em algum momento fez o teste; as observações que os cientistas fazem hoje em dia não são óbvias agora, mas após serem testadas e confirmadas através do método científico, podem vir a se tornar um conhecimento geral após serem devidamente comunicadas. O experimento executado foi muito simples, e poderia ter dado tremendamente errado: se esta fosse uma planta sazonal, que tem ciclos de crescimento e aparente declínio, e o nosso personagem tivesse dado o azar de trocar os vasos de lugar bem quando este ciclo estava se invertendo nos vasos, o experimento teria apresentado o mesmo resultado, porém isso não estaria relacionado com a hipótese proposta. Para evitar este tipo de problema, os cientistas apoiam-se em experimentos com muitas repetições, e utilizam ferramentas estatísticas para ter mais confiança de que seus resultados são de fato causados pelo que estão testando, e não por mero acaso.

Mas o indivíduo do exemplo também acertou em alguns pontos. Por exemplo, ele formulou uma hipótese falseável. Isto quer dizer que ele teria capacidade de perceber se sua hipótese estivesse errada: se, ao trocar os vasos de lugar, as plantas não tivessem mudado, ele saberia que estava enganado. Se a hipótese dele fosse “o vaso A cresce mais porque minha falecida mãe me deu ele”, o sujeito jamais poderia por essa afirmação à prova, pois dependeria de fatores que ele nunca conseguiria controlar ou reproduzir. Ele poderia comprar inúmeras outras plantas, e talvez nenhuma delas crescesse tão bem, mas a causa do vaso A crescer melhor que os outros continuaria um mistério.

Ademais, o indivíduo também acertou em comunicar seus amigos que gostam de plantas. Assim, todos eles podem repetir seu teste e verificar se encontram o mesmo resultado; podem dar palpites de outros testes a serem feitos para ter mais certeza do que aconteceu (talvez a diferença seja a umidade lá fora, e não o sol!?), e todos podem fazer uso dessa nova informação. No mundo acadêmico, essa comunicação é feita através de artigos em revistas científicas. Estas não são revistas como as que podem ser compradas nas bancas, e a forma com funcionam é uma característica essencial da ciência. Se quiser saber mais a respeito, temos um artigo só sobre isso neste link.

Depois de ser publicado, o artigo estará acessível a outros cientistas, que podem replicar seus experimentos e verificar sua validade; podem utilizar seus dados para propor novos experimentos e aprofundar o conhecimento; ou podem notar algum erro metodológico e apontá-lo. Assim, ainda que erros ou até “malandragens” possam acontecer, ao longo do tempo a comunidade científica é capaz de perceber o problema e corrigi-lo. Essa, inclusive, é uma das principais diferenças da ciência e outros tipos de conhecimento, que costumam ser dogmáticos – isto é, trazem informações como verdades incontestáveis e eternas. A ciência está sempre pronta a perceber-se errada, e corrigir-se. Na ciência, também, não existe uma pessoa encarregada de determinar o que é verdade ou não – como pode ocorrer nas religiões, por exemplo. A comunidade científica determina, em conjunto, o que é confiável ou não, e existem até mesmo métodos para avaliar o quanto a comunidade está de acordo com alguma informação: as revisões e metanálises. Nas revisões, cientistas buscam na literatura tudo o que já foi publicado sobre determinado tópico, e avaliam se há um consenso ou discordância na comunidade. Já nas metanálises, métodos estatísticos específicos são utilizados para se analisar dados de várias publicações ao mesmo tempo, de modo a compilar resultados mais confiáveis a partir de vários experimentos diferentes.

Embora seja uma defesa da ciência, vale ressaltar que este texto não pretende dizer que outros tipos de conhecimento são inválidos. Por exemplo, conhecimentos tradicionais são acessíveis e permitem que comunidades perdurem, e carregam valiosas lições de vida; enquanto conhecimentos religiosos podem ajudar a criar um senso de comunidade entre os fiéis, trazer motivação ou acalanto a quem necessita. Desse modo, o conhecimento científico nem sempre é a melhor opção – poucas pessoas se sentiriam reconfortadas se, velando um ente querido que acabou de falecer, ouvissem explicações científicas de como a morte ocorreu. Por outro lado, as características discutidas acima são excelentes para um conhecimento que seja usado para tomar decisões políticas e sociais – ou seja, decisões que não são de cunho pessoal. Por seus mecanismos de autoaprimoramento, por evitar vieses e visões parciais, por ser cuidadosa e metódica, e por procurar por padrões e regras gerais, aplicáveis em qualquer contexto, a Ciência é nossa melhor escolha para o progresso da sociedade.

 

Colaboração:

Fernando F. Mecca sobre o autor            

Fernando é biólogo, professor e cientista. Mestre e doutorando em Neurociências, estuda os efeitos da depressão e antidepressivos sobre funções elétricas do cérebro. Também se interessa em educação e divulgação científica.

(Editoração: Fernando Mecca, Loren Pereira, Eduardo Borges)

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