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Smartphones afetam nossa atenção mesmo quando nós os ignoramos

Drenando o cérebro: mera presença de smartphone no ambiente pode reduzir sua capacidade de cognição

 

Resumo

Estamos constantemente atentos aos nossos smartphones. Eles nos permitem acessar informação, entretenimento e outras pessoas, tudo em um piscar de olhos. Um smartphone conectado à internet é um portal para todo o conhecimento da humanidade – mas tamanho poder vem com seus custos cognitivos. Neste trabalho, testou-se a hipótese de que o uso de smartphones ocupa recursos limitados de cognição, deixando menos recursos disponíveis para outras tarefas e diminuindo o desempenho cognitivo. Com dois experimentos, demonstrou-se que a mera presença dos smartphones reduz a habilidade cognitiva, mesmo com os indivíduos ignorando-os e resistindo a dar-lhes atenção. Além disso, esse efeito é mais intenso em pessoas que pontuam mais em escalas de dependência de smartphones. Discute-se também implicações práticas deste “dreno cognitivo” sobre o bem-estar e a capacidade de tomada de decisão das pessoas.

 

Introdução

Smartphones são cada vez mais comuns e mais importantes nas vidas de pessoas em todo o mundo. Em média, as pessoas interagem com seus celulares 85 vezes por dia, incluindo logo ao acordar, antes de dormir, e até no meio da noite. 91% das pessoas afirmam nunca sair de casa sem seus celulares, e 46% que não viveriam sem eles. Conforme a posse e o uso dos celulares ficam mais comuns, é importante questionarmos como a dependência destes aparelhos afeta as habilidades das pessoas no mundo fora da tela. Se por um lado os smartphones prometem recursos, produtividade e tempo, eles também podem criar déficits inesperados.

Estudos sobre os efeitos dos celulares sobre a atenção são comuns considerando a interação direta com esses aparelhos. Neste estudo, o foco foi sobre uma situação comum, mas inexplorada: quando os smartphones não estão sendo usados, mas estão presentes. Para isso, é necessário levar em conta a diferença entre orientação e alocação de atenção: a primeira refere-se a quais tarefas o indivíduo está direcionando sua atenção, enquanto a segunda à quantidade de atenção dada a uma tarefa (ou dividida entre várias).

Tendo em vista que há uma discrepância entre a quantidade de atenção que as pessoas podem alocar com a enorme quantidade de informações ao seu redor, indivíduos precisam selecionar para onde direcionarão sua atenção. A prioridade de um estímulo depende tanto de sua “saliência” (por exemplo sua localização no campo de visão) quanto sua “relevância” (isto é, sua potencial importância em relação a um comportamento direcionado a um objetivo).

A atenção preferencial para um estímulo temporariamente relevante, por exemplo um objeto importante para a realização imediata de uma tarefa, é realizada por meio da memória de trabalho. Quando um objetivo está ativo na memória de trabalho, estímulos relevantes para este objetivo tendem a atrair nossa atenção. Por outro lado, estímulos continuamente relevantes, por exemplo relacionados com metas de longo prazo, podem involuntariamente chamar a atenção, mesmo sem estarem ativos na memória de trabalho. Por exemplo, indivíduos automaticamente orientam sua atenção para o som de seus nomes em meios até então ignorados, e mães – mais do que mulheres sem filhos – direcionam sua atenção para expressões emocionais de crianças.

A atenção automática, de forma geral, ajuda os indivíduos a ficarem atentos a estímulos continuamente relevantes, enquanto se aplicam sobre uma tarefa. Entretanto, esta mesma atenção automática pode reduzir a performance se um estímulo frequente é irrelevante para a tarefa atual. Para inibir a atenção automática, evitando que estímulos atrativos, mas irrelevantes, interfiram em uma tarefa consciente, ocupamos parte dos nossos recursos atencionais. Este estudo, portanto, propõe que os smartphones agem como estímulos frequentes que, mesmo sendo ignorados, ocupam recursos atencionais.

 

Métodos

A saliência dos smartphones foi manipulada designando os participantes a manterem seus aparelhos em um de três possíveis lugares, aleatoriamente. Estes lugares eram na mesa, na bolsa/bolso, ou em outra sala. Os dados obtidos mostraram não haver diferença nas performances de quem manteve o celular na bolsa ou no bolso.

Os participantes completaram duas tarefas de avaliação de capacidade cognitiva disponível: uma tarefa operacional no computador (Teste 1), e um questionário de 10 itens. O Teste 1 acessou a habilidade de se manter focado em informações relevantes para a tarefa enquanto enfrentavam tarefas cognitivamente complexas: os participantes tinham que resolver uma série de problemas matemáticos, ao mesmo tempo em que se lembravam de uma sequência aleatória de letras. O questionário de 10 itens foi formulado para isolar a capacidade de entender e resolver novos problemas (chamada de “inteligência fluida”, em livre tradução), de forma isolada de conhecimentos e habilidades prévios. Em cada item, os participantes foram expostos a uma matriz com um padrão incompleto, e deviam escolher a alternativa que melhor completava o padrão. Posteriormente, os participantes preencheram um questionário sobre suas impressões no laboratório, como sobre imaginavam que os smartphones podiam ter afetado seu desempenho. Finalmente, eles completaram uma bateria de questionários que explorava diferenças no uso e dependência de smartphones.

 

Resultados & Discussão

Tanto para o Teste 1 quanto para o questionário, notou-se que os participantes com celulares na condição “outra sala” ou “na bolsa/bolso” tiveram performance melhor do que os “na mesa” (Figura 1). Outra análise mostrou um crescimento linear de performance no sentido “na mesa” → “na bolsa/bolso” → “outra sala”, corroborando que o aumento da saliência de celular leva à diminuição na performance do Teste 1. A comparação destes dados com as respostas para a pergunta “Enquanto você trabalhava nas tarefas, com que frequência pensou no seu celular?” mostrou não haver relação entre essas respostas e o grau de performance dos participantes. É notável, inclusive, que a maioria das respostas para essa pergunta foi “nenhuma vez”. Ao responder se as localizações de seus celulares afetaram a performance nas tarefas, 76% dos participantes afirmaram que “de forma nenhuma”, e 85% que “nem ajudou nem atrapalhou”. Combinados, esses dados apontam para uma confirmação da hipótese deste trabalho, de que a mera presença dos smartphones pode prejudicar a capacidade cognitiva, mesmo que não ocupem a consciência.

Figura 1: Médias e desvio-padrão das performances dos participantes para o Teste 1 (esq.) e o questionário de 10 itens (dir.). * indica diferença significativa da performance entre as condições “Outra sala” e “Bolsa/Bolso” (esq.) e entre “Bolsa/Bolso” e “Na mesa” (esq.). ** indica diferença significativa entre a condição “Outra sala” e “Na mesa” em ambos os testes. Imagem: modificada de Ward et al., 2017.

A análise em conjunto destes dados com os questionários sobre dependência de smartphones mostrou um efeito de interação entre saliência e dependência: quanto mais dependente do smartphone for a pessoa, maior o impacto da saliência deste sobre sua performance no Teste 1. Indivíduos com dependência estimada em um desvio-padrão a menos que a média não sofreram impacto da saliência. Aqueles na média ou um desvio-padrão acima da média em termos de dependência, tiveram suas performances afetadas.

 

Conclusão

Este trabalho demonstrou que os smartphones, embora sejam frequentemente vistos como ferramentas de acesso praticamente infinito a informações e pessoas, trazem em contrapartida uma redução das capacidades cognitivas, mesmo quando não estamos ativamente pensando neles enquanto fazemos outras tarefas. Isto se deve ao fato de que ocupamos parte dos nossos recursos cognitivos para evitar pensar nos nossos celulares.

 

Pesquisa ao seu alcance: Fernando F. Mecca

sobre o autor

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Brain Drain: The Mere Presence of One’s Own Smartphone Reduces Available Cognitive Capacity”, publicado pela revista Journal of the Association for Consumer Research em abril de 2017, de autoria de A. Ward, K. Duke, A. Gneezy, e colaborador. O artigo original pode ser acessado em https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/691462.

(Editoração: Priscila Rothier, Gabriel Ferreira e Caio Oliveira) 

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