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Emulsões podem substituir corantes artificiais em bebidas

#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Sobre
● Categoria: Artigo – Revista Eletrônica Frontiers for Young Minds
● Título Original: Emulsions Can Replace Artificial Dyes in Beverages
● Ano de publicação: 2018
● Link do artigo original: https://kids.frontiersin.org/articles/10.3389/frym.2018.00048

RESUMO

Você já se perguntou de onde vem a cor dos seus alimentos processados? Doces e isotônicos têm suas cores naturalmente? Na maioria dos casos, não. Um corante alimentar é adicionado para fazer o alimento mais atrativo para consumidores. Por isso a indústria alimentícia utiliza corantes. Corantes alimentares podem ser artificiais ou naturais. Conforme mais e mais pessoas escolhem comprar e comer alimentos naturais, a indústria alimentar está tentando usar corantes naturais ao invés dos aditivos artificiais comumente utilizados. Este artigo vai descrever a possibilidade de se produzir corantes alimentares naturais por um processo chamado emulsificação. Mas o que é emulsificação? Basicamente, é um processo que permite que água e óleo se misturem. Este artigo vai descrever como a emulsificação pode ser utilizada para produzir uma emulsão com um óleo muito nutritivo, chamado óleo de buriti, para deixar bebidas esportivas com uma coloração vermelho-brilhante.

Introdução

Cor é uma característica importante de produtos alimentícios, já que influencia a preferência e escolha das pessoas [1]. Por exemplo, como você se sentiria se comprasse uma bebida esportiva sabor tangerina e ela fosse verde? Seria um pouco estranho, não?

Vários produtos alimentícios são naturalmente incolores e, em outros produtos, a cor original é perdida durante o processamento industrial. Por isso, corantes são adicionados a alimentos para dar cor ou recriar a cor perdida, para fazer os alimentos mais atrativos para nós, consumidores. Corantes podem ser artificiais ou naturais. Alguns dos corantes alimentares naturais mais comuns são carotenoides (amarelo, laranja e vermelho), clorofila (verde), antocianinas (vermelho, azul), flavonoides e cúrcuma (amarelo), e pó de páprica vermelha (vemelho) [1]. Os corantes artificiais mais utilizados incluem amarelo crepúsculo e tartrazina (amarelo), vermelho allura e eritrosina B (vermelho), e azul brilhante. Por muito tempo, o uso de corantes artificiais tem sido controverso, e muitos corantes foram até banidos por causo de seus efeitos negativos em animais de laboratórios e por seu papel causando hiperatividade, alergias, e outros efeitos colaterais negativos em crianças [2].

Como mais e mais pessoas estão se interessando por comer alimentos saudáveis, um grande volume de pesquisas tem sido conduzido para desenvolver produtos alimentícios associados com boa saúde [3]. Este artigo descreve uma pesquisa investigando a possibilidade de utilizar um óleo avermelhado altamente nutritivo da região amazônica, chamado óleo de buriti (Mauritia flexuosa L.), como um corante natural para bebidas esportivas sabor tangerina. Mas, espere um minute, como Podemos adicionar um óleo a uma bebida? Se você já tentou adicionar óleo à água, você deve ter notado que os dois simplesmente não se mistura. Mas não se preocupe: isso é possível graças a um processo chamado emulsificação.

O que é emulsificação?

Você já tentou adicionar algumas gotas de óleo em um copo contendo água? Se já tentou, você provavelmente percebeu que água e óleo não se misturam. O mesmo acontece quando você tenta lavar suas mãos sujas de óleo só com água – suas mãos continuam muito oleosas. Digamos que isso acontece porque água e óleo são inimigos, e eles querem continuar o quão longe conseguirem. Entretanto, fazer inimigos não é uma coisa boa, então nós vamos explicar uma técnica, chamada emulsificação, que pode fazer água e óleo se tornarem bons amigos. Quando água e óleo se tornam amigos, essa mistura de dois ou mais líquidos é chamada de emulsão.

Emulsões são classificadas de acordo com vários fatores, mas os mais importantes são: (i) pelo tipo de emulsão: água-e-óleo ou óleo-em-água (Figura 1) e (ii) pelo tamanho das partículas. Quando partículas são bem pequenas, elas são chamadas de nanoemulsões (partículas entre 10 – 100nm) [4.]. Só para ter uma ideia de quão pequenas são as partículas em uma nanoemulsão: imagine uma formiga de 1cm de comprimento, e uma emulsão com partículas de 1nm. Dez milhões dessas partículas juntas teriam o mesmo comprimento da formiga. Comparadas com emulsões que têm partículas grandes, nanoemulsões têm muitas vantagens em relação a serem utilizadas em produtos alimentícios e bebidas. Uma das vantagens é que nanoemulsões são mais estáveis (Figura 2). Isso significa que é menos provavel que o óleo e a água se separem de novo depois de algum tempo [4].

emulsões
Figura 1. Exemplo de dois tipos de emulsões. Uma emulsão água-em-óleo é quando as partículas de água estão dispersas em óleo, e uma emulsão óleo-em-água é quando partículas de óleo estão dispersas em água.
Figura 2. Exemplos de emulsões água-em-óleo estável e instável. Em uma emulsão estável, não há separação entre as fases de água e óleo. Em uma emulsão instável, existe uma separação entre as fases de água e óleo.

Como emulsões podem ser produzidas?

Antes de explicar como emulsões podem ser produzidas, nós temos que entender qual a aparência das moléculas de água e de óleo. Nós podemos dizer que água e óleo não se misturam porque elas não gostam de estar por perto de substâncias que não se parecem com elas, e também que não gostam das mesmas coisas que elas. Moléculas de água são “amantes de água”, o que significa que elas amam água e temem óleo, e moléculas de óleo são “amantes de óleo”, o que significa que temem água e amam óleo. Moléculas de água só se misturam facilmente com outras moléculas “amantes de/parecidas com água”, e moléculas de óleo só se misturam como moléculas “amantes de/parecidas com óleo”. Então, isso significa que quando você mistura óleo e água, moléculas de água ficam perto umas das outras e o óleo se afasta delas. Há também uma outra razão pela qual água e óleo são inimigos: eles têm diferentes densidades. Densidade é quão compacta é uma substância. Em termos matemáticos, densidade é a massa de um objeto ou substância, dividido por seu volume (quanto espaço ela ocupa). A densidade do óleo é por volta de 0,92Kg/L, e a densidade da água é próxima de 1Kg/L.

Agora, vamos voltar ao exemplo de lavar nossas mãos oleosas sem sabão. As mãos continuam oleosas sem o sabão, certo? Já pensou o porquê? Isso ocorre porque moléculas de sabão se parecem com água de um lado, e com óleo do outro, então elas atraem tanto óleo quanto água. Sabões agem como emulsificantes. Então, vamos imaginar o sabão como uma ponte que conecta água e óleo e permite que eles sejam amigos. Quando você adiciona sabão, um lado da molécula de sabão se une a uma molécula de água, e outro lado se une a uma molécula de óleo. O sabão então cria uma ponte que conecta a água a gotículas de óleo espalhadas por ela.

Entretanto, se você só coloca água, óleo e sabão juntos em um copo ou se você só joga sabão em suas mãos, nada vai acontecer, você ainda não terá uma emulsão (nem mãos limpas). Para formar uma emulsão, é necessário adicionar alguma fonte de energia. No caso de suas mãos, você precisa esfregá-las uma na outra. No caso do copo contendo água, óleo e sabão, você poderia adicionar energia ao chacoalhar a mistura, e então você formaria uma emulsão através de um processo chamado emulsificação (Figura 3). Você pode até tentar isso em casa.

Figura 3. O processo de emulsificação. No lado esquerdo nós podemos ver água, óleo e emulsificante juntos. Neste ponto, ainda não há uma emulsão porque não há fonte de energia sendo aplicada. No lado direito (depois de energia ser aplicada), nós podemos ver que uma emulsão estável água-em-óleo se formou.

Agora, vamos voltar à questão de como podemos produzir emulsões. Existem vários métodos de produzir emulsões e nanoemulsões, e eles podem incluir vários ingredientes e fontes de energia. Alguns métodos precusam de muita energia e, por isso, são chamados de métodos de alta energia, e outros não precisam de tanta energia assim, e são chamados de métodos de baixa energia. As fontes de energia podem ser mexer ou chacoalhar. Muitos ingredientes podem ser adicionados para formar uma emulsão, mas só três dele são essenciais: uma fase de água, uma fase de óleo, e um emulsificante.

Como emulsões podem ser usadas como corantes naturais?

Nós já explicamos como fazer uma emulsão, mas espere um minuto – você não pode comer sabão, pode? Então, para usar um emulsificante que produza emulsões, nós vamos precisar de um emulsificante que seja seguro de adicionar em alimentos. Existem vários emulsificantes no mercado que são comestíveis.

Aqui está como nós usamos uma emulsão como corante natural. Para a fase de óleo, nós escolhemos um óleo muito nutritivo de cor avermelhada, chamado óleo de buriti (M. flexuosa L.). Buriti é uma palmeira comumente encontrada na região de Amazônia. A cor avermelhada vem de grandes quantidades de um colorante natural que o óleo contém, que vem dos carotenóides presentes nele. Óleo de buriti também é rico em uma substância chamada tocoferol, que pode formar vitamina A, e ácido oleico, que acredita-se que pode reduzir níveis de colesterol [5]. Como um emulsificante, nós utilizamos uma substância chamada polisorbato80, que é comestível e comumente utilizado para se fabricar sorvetes. Para a fase de água, nós utilizamos água. Como um ingrediente “extra”, nós adicionamos um pouco de sal de cozinha. O sal foi adicionado nas nanoemulsões para diminuir a temperatura necessária durante o processo de emulsificação. Aliás, você sabia que bebidas esportivas são cheias de minerais? Esses minerais incluem sódio (Na), e sabe o que? Sódio é um dos principais componentes do sal de cozinha (NaCl). Já que nossa nanoemulsão já contém sal, não há necessidade de adicionar mais sal à fórmula da bebida esportiva. Nós produzimos uma nanoemulsão com esses ingredientes por um método de baixa energia. Depois que a nanoemulsão está feita, nós adicionamos um pouco dela em bebidas esportivas como um corante natura. Na nossa fórmula de bebida, foi possível substituir 25% do corante artificial pelo natural. Para ser possível substituir uma porcentagem maior, mais trabalho é necessário na fórmula da bebida esportiva para melhorar sua cor, aroma, e sabor.

O trabalho não acabou aí. Nós então fizemos um teste de avaliação sensorial, no qual 100 pessoas provaram a bebida e avaliaram em termos de sua cor, aroma e sabor. Foi pedido que eles dessem notas de 1 a 9, na qual 1 significava que eles acharam extremamente ruim e 9 que acharam extremamente bom (Figura 4). Nós descobrimos que a média das notas dadas por 100 pessoas em termos de cor, aroma e sabor foram 6.2, 4.3 e 3.3, respectivamente. Esses resultados indicam que é possível substituir parte do corante artificial por um corante natural, enquanto mantendo sua cor atrativa. Também mostra que nanoemulsões alteraram um pouco do aroma e sabor da bebida esportiva, já que receberam notas mais baixas. Através desses resultados nós podemos também notar que a adução da nanoemulsão natural de óleo de buriti à bebida esportiva afetou o sabor mais do que o aroma da bebida. Nós achamos que o sabor e o aroma do emulsificante usado (polisorbato80) pode ser a razão para as notas mais baixas de aroma e sabor. Assim, se modificações na nanoemulsão (por exemplo, usando um diferente emulsificante) forem feitas, poderemos diminuir essas diferenças.

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Figura 4. Uma avaliação sensorial foi feita com a bebida esportiva. Pessoas que provaram a bebida deram notas para cor, aroma e sabor. Quanto mais perto de 9, mais as pessoas gostaram. Os resultados representam a nota média da avaliação sensorial de 100 pessoas. Você pode notar que a cor foi avaliada com a melhor nota, seguida por aroma e sabor. Isso significa que a coisa que mais gostaram na bebida esportiva foi a cor.

Conclusão

Nós esperamos que nossa pesquisa inspire novas investigações sobre como podemos produzir diferentes tipos de corantes naturais por processo de emulsificação. Muitos diferentes tipos de emulsões corantes naturais podem ser produzidos e testados. Por exemplo, nós podemos usar o tempero em pó cúrcuma para produzir corante natural amarelo e usá-lo para colorir sorvete de abacaxi [6], ou usar páprica para produzir um corante natural vermelho e talvez colorir um iogurte de morango. Você pode estar se perguntando se adicionar cúrcuma ou páprica ao alimento não mudaria o aroma ou sabor do alimento, certo? Bem, aparentemente não muito. Já foi feito um estudo avaliando a aceitação sensorial de cúrcuma em sorvete [7]. Os resultados indicam que alguma melhoria na receita ainda foi necessária para substituir todo o corante artificial amarelo por uma nanoemulsão de pó de cúrcuma, mas a substituição parcial foi bem aceita. Em relação à páprica, nós ainda precisamos testar e ver! Com sorte, e com mais pesquisa, nós seremos capazes de reproduzir, total ou ao menos parcialmente, todos os corantes alimentares artificiais e controversos por corantes naturais feitos com emulsões.

 

Declaração de conflito de interesses

Os autores declaram que a pesquisa foi conduzida na ausência de qualquer relação comercial ou financeira que poderia constituir um potencial conflito de interesses.

 

Colaboração:

Fernando F. Mecca sobre o autor           

Fernando é biólogo, professor e cientista. Mestre e doutorando em Neurociências, estuda os efeitos da depressão e antidepressivos sobre funções elétricas do cérebro. Também se interessa em educação e divulgação científica.

 

Artigo Original:

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Emulsions Can Replace Artificial Dyes in Beverages”, publicado pela revista Frontiers for Young Minds em setembro de 2018, de autoria de Bovi, G. e Pinho, S. O artigo original pode ser acessado em https://kids.frontiersin.org/articles/10.3389/frym.2018.00048.

(Editoração: Nathália A. Khaled)

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