Diante dos acontecimentos recentes envolvendo o bloqueio de recursos às universidades públicas e à pesquisa científica no Brasil, nós da equipe do Projeto Ilha do Conhecimento nos sentimos compelidos a tornar pública nossa preocupação. A situação atual se iniciou no dia 30 de abril, quando o Ministério da Educação anunciou o contingenciamento de 30% do financiamento para todas as universidades federais. Logo após uma semana, dia 8 de maio, a Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES) surpreendeu com a suspensão da concessão de bolsas para alunos prospectivos nos programas de pós-graduação de todo o país.
Com os cortes e contingenciamentos anunciados, o orçamento relacionado à pesquisa científica hoje se tornou o pior em uma década. Das 50 instituições que mais produziram ciência no Brasil nos últimos anos, 43 são universidades públicas. Nelas, a produção do conhecimento científico é feita por professores e principalmente por alunos de cursos de pós-graduação stricto sensu, ou seja, em programas de Mestrado ou Doutorado, e foi justamente após a criação da CAPES que se intensificou a produção científica no Brasil. As bolsas de Mestrado e Doutorado oferecidas pelo governo federal hoje são de respectivamente R$ 1500,00 e R$ 2200,00, que não recebem qualquer reajuste desde 2012. Vale relembrar que essas bolsas exigem dedicação exclusiva, e por isso são a única fonte de renda formal desses pesquisadores, além de não oferecerem direito a férias, 13º salário, ou qualquer benefício trabalhista.
O Ministério recentemente alegou que essa redução nos investimentos na educação é apenas temporária, e que as bolsas que já estão em vigor não serão afetadas. Porém, destacamos que dentro do cenário científico, qualquer suspensão de atividades, somado a interrupção do ingresso de novos pesquisadores, pode implicar na perda irreparável de anos de estudo e de investimento capital.
As decisões vêm diretamente na contramão do incentivo internacional pela valorização da ciência, como do governo da Alemanha que acaba de divulgar o investimento de 160 bilhões de euros para universidades e pesquisa no país durante os próximos anos. Estudos feitos na Inglaterra apontam que ciência e pesquisa retornam por ano em média de 20% do valor originalmente investido – ou seja, utilizando essa projeção para o Brasil, a cada R$ 1,00 investido pelo governo, cerca de R$1,20 retorna aos cofres públicos. Esse retorno pode ocorrer por meio da prestação de serviços oferecidos diretamente à população pelas próprias universidades públicas, como atendimento médico gratuito em hospitais universitários ou em programas parceiros com o SUS (Sistema Único de Saúde), produção de medicamentos e vacinas, projetos comunitários educacionais, entre tantos outros. Isso sem contar o retorno mais indireto, como criação de novas tecnologias que podem baratear obras ou serviços, formação de recursos humanos (profissionais) qualificados, geração de patentes, atração de investimentos internacionais… A lista é longa.
Com isso, entendemos que tais medidas tomadas ferem não somente àqueles envolvidos diretamente com as universidades federais e com pesquisa científica, mas ameaçam seriamente o futuro econômico e social do país. A ciência e seu processo de construção envolvem questões que ultrapassam o ambiente acadêmico; o conhecimento científico atualmente afeta diretamente nosso cotidiano e também é legitimado pela população, influenciando decisões governamentais e políticas públicas. Caso as medidas não sejam revistas, toda a sociedade brasileira será afetada de maneira irreparável. Maiores cortes na educação significam a perda dos recursos já investidos, fuga de cérebros, e escassez de cientistas qualificados no país – uma ameaça direta ao desenvolvimento e à soberania do Brasil.
Nossa missão com o Ilha do Conhecimento é comunicar de maneira pública o conhecimento científico e seu processo de construção, aproximando a ciência e as universidades da sociedade. A maior parte do nosso conteúdo é referente e valoriza trabalhos e serviços produzidos pelos esforços da educação e pesquisa nacional. Desejamos poder seguir em frente com o nosso papel, mas sabemos que para haver conhecimento é necessário haver incentivo.
Quer entender mais sobre a importância na Ciência no Brasil? Leia nossa matéria publicada em novembro de 2018 sobre o assunto.
Ciência et al: Priscila S. Rothier
Fontes consultadas:
https://jornal.usp.br/ciencias/fabricas-de-conhecimento/
Rates of return to investment in science and innovation: A REPORT PREPARED FOR THE DEPARTMENT FOR BUSINESS, INNOVATION AND SKILLS (BIS). Jul/2014 © Frontier Economics Ltd, London
(Editoração: Caio Oliveira, Viviane Santana e André Pessoni)