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Na terceira entrevista da série do Mês das Mulheres, conheça mais uma mulher cientista e suas opiniões sobre a área.
DESTAQUES: – Formada em bioquímica pela UFSJ, Amanda tem mestrado, doutorado e pós-doc na mesma área pela USP; – Ela aponta para a necessidade de investimentos tanto em ciência de base quanto aplicada, sem distinção entre as duas vertentes; – A igualdade de gênero na ciência, segundo Amanda, pode crescer com ajuda de sites de divulgação científica que dêem visibilidade às mulheres cientistas. |
1) Para que o público conheça a Amanda, como você se apresentaria brevemente?
Eu sou Amanda, nascida no interior de Minas Gerais e aos 17 anos saí de casa para cursar o Bacharelado em Bioquímica pela Universidade Federal de São João del-Rei, campus Divinópolis. Nessa época, havia apenas dois cursos de Bioquímica em todo o Brasil (UFSJ e UFV). Apesar de ainda pouco conhecido, eu prestei vestibular com a certeza que era aquele curso que eu queria cursar. Sempre fui fascinada com tudo que envolvia ciência. Naquela época, os termos “engenharia genética”, “biotecnologia” e “clonagem molecular” ainda eram novos para mim, mas despertavam muito meu interesse e me fizeram optar por seguir no caminho da pesquisa.
Após formada, fiz mestrado, doutorado e pós-doc pelo programa de pós-graduação em Bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), onde trabalhei durante dez anos na área de biotecnologia molecular voltada para a produção de bioetanol utilizando microrganismos.
2) O que motivou sua escolha por uma trajetória científica, especialmente na área de Microbiologia e Bioquímica?
A minha graduação em Bioquímica sempre foi muito direcionada para a pesquisa científica. Nós éramos estimulados a escrever projetos nas mais diversas áreas da ciência, a praticar a leitura e interpretação de artigos científicos e, principalmente, a vivenciar a prática científica dentro de um laboratório de pesquisa. No segundo semestre da faculdade eu já estava fazendo iniciação científica. Na época, o laboratório em que eu estagiava trabalhava com o estudo de lipases de fungos filamentosos, que são enzimas aplicadas para a produção de biodiesel. Desde então, os estudos envolvendo a produção de energia limpa estiveram dentre os meus principais interesses para seguir na pós-graduação.
Um ponto chave na minha decisão de seguir nessa área foi ter participado do Curso de Inverno organizado pelo programa de pós-graduação em Bioquímica da FMRP-USP. Além de palestras mostrando os trabalhos dos diferentes laboratórios do programa, eu pude estagiar por uma semana no Laboratório de Biotecnologia Molecular, coordenado pelo Prof. Roberto do Nascimento Silva. O estágio foi muito enriquecedor e me fez optar por colaborar junto a esse grupo de pesquisa na minha pós-graduação. Nesse laboratório, tive a oportunidade de aprimorar os meus conhecimentos dentro da área de biotecnologia e biologia molecular, participei de congressos nacionais e internacionais, estagiei durante nove meses na Alemanha com a bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e, o mais importante, trabalhei com pessoas que me ajudaram a crescer tanto profissional como pessoalmente. Foi uma experiência gratificante!
3) No início de sua carreira de pesquisa, você trabalhou com o estudo de fungos voltado à produção de biodiesel. Já no mestrado e no doutorado, os temas parecem ter se aproximado mais da ciência de base, com uma aplicação mais indireta. Como você vê a importância de se investir e divulgar o conhecimento científico em seus diferentes perfis (básico e aplicado), considerando o atual contexto político e social?
É importante que tenhamos a compreensão de que a ciência aplicada não existe sem que a ciência básica tenha sido fortemente estudada e desvendada. Posso exemplificar usando uma abordagem da minha área de atuação: quando falamos sobre um microrganismo geneticamente modificado que está sendo aplicado na indústria para a produção de biocombustível, nós estamos avaliando o aspecto prático e aplicado de um estudo que foi precedido por inúmeras abordagens da ciência básica: quais são as proteínas envolvidas nesse processo? Como elas são reguladas? Quais processos metabólicos estão envolvidos em sua produção? Não existe um perfil de pesquisa mais importante que o outro, ambos se complementam. É por isso que, quando analisamos a atual situação do investimento em pesquisa no país, hoje tão defasado, nós tomamos a dimensão do impacto negativo que isso pode gerar na nossa sociedade como um todo. Não há crescimento sem investimento.
4) A área de Ciências Biológicas, especialmente a área médica, é uma das mais equitativas em termos de participação de mulheres na ciência. Segundo o Elsevier Gender Report 2020, mulheres são maioria nas áreas de Medicina, Neurociências, Imunologia, Microbiologia e Bioquímica. No entanto, participação é diferente de igualdade na representação em publicações, citações e lideranças. Como a ciência brasileira pode avançar na representatividade de gênero?
As mulheres estão sub-representadas no mercado de trabalho como um todo e, quando falamos em ciência, essa questão permanece. A representatividade feminina é fundamental para o crescimento da sociedade e, embora estejamos por trás de várias descobertas científicas, nem sempre somos valorizadas e celebradas. Um exemplo claro disso é quando observamos o número baixíssimo de cientistas mulheres que receberam o prêmio Nobel até hoje. Apesar de vivenciarmos uma certa evolução na representatividade das mulheres nessa área, essa ainda se encontra muito aquém das contribuições femininas à ciência.
Eu acredito que a representatividade das mulheres na ciência avança com iniciativas que dão visibilidade ao real cargo que elas ocupam, como páginas em redes sociais com acesso público que divulgam e valorizam o trabalho das pesquisadoras, bem como o desenvolvimento de projetos que incluem, incentivam e promovem as mulheres na carreira científica.
5) Quais outras mulheres, dentro ou fora da área científica, são inspiração em sua trajetória? E o que você diria para inspirar jovens meninas na ciência?
Quando pensamos em mulheres que fizeram história na ciência, é impossível não lembrar de Marie Curie e Rosalind Franklin. Acredito que elas são inspiração não só pra mim, mas para todas as meninas e mulheres que estão adentrando nesse desafio que é fazer ciência no Brasil. Marie fez história ao receber o prêmio Nobel por duas vezes em uma sociedade em que as mulheres, até hoje, não são devidamente valorizadas no âmbito científico. Já Rosalind Franklin deixou seu legado na ciência, por suas descobertas sobre a estrutura dos ácidos nucleicos, e também na humanidade, pela falta de reconhecimento pelo seu extraordinário trabalho.
Para as jovens meninas que escolheram seguir o caminho da ciência, saibam que todas nós temos um pouco de Marie Curie e Rosalind Franklin dentro da gente. São muitos os desafios a serem superados, mas também sabemos dos nossos propósitos, da nossa capacidade, dos nossos méritos e do nosso valor. Mulheres na ciência, sim!
Sobre a entrevistada: Amanda Cristina Campos Antoniêto
Links: lattes, e-mail, instagram
Amanda é formada em Bioquímica pela universidade de São João del-Rei, com mestrado, doutorado e pós-doc na mesma área pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Tem experiência na área de biotecnologia molecular produção de biocombustíveis.
(Editoração: Caio M. C. A. de Oliveira e Fernando Mecca)