Image default

Afinal, qual a importância de um zoológico?

#Ciência et al. (Especiais temáticos repletos de informações científicas)

Diferentes papéis dos zoológicos ao longo dos tempos

Destaques:
– Hoje atuando na conservação, educação, pesquisa e lazer, os zoológicos diversificaram suas funções ao longo da história;
– Os animais ali presentes são oriundos de situações como tráfico e acidentes e, quando possível, são reintroduzidos na natureza;
Pesquisas e ações importantes para a conservação de espécies em cativeiro e ambientes naturais vêm sendo desenvolvidas em zoológicos brasileiros;
– São opções acessíveis para promover aprendizagem e conexão com a natureza;
– Atender às demandas sociais sem comprometer o bem-estar dos animais e comunicar de forma completa suas funções aos visitantes são tarefas essenciais dos zoológicos.

Quando pensamos em zoológicos, muitas vezes temos a imagem de um espaço que contém animais expostos para entreter os visitantes. De fato, esse conceito perdurou durante muito tempo na história dessas instituições. Mas será que é esse o papel que os zoológicos ocupam atualmente? Esse é um tema amplamente debatido e cheio de controvérsias, mas que precisa ser discutido de forma a considerar o histórico e a complexidade destas instituições.

Desde sua criação, os zoológicos têm assumido diferentes funções. Surgiram, inicialmente, como coleções de animais que eram mantidas pela nobreza como uma forma simbólica de poder e de entretenimento pessoal. Ao serem abertas para visitação, cerca de duzentos anos atrás, as coleções de acesso restrito e privilegiado foram aos poucos se transformando em instituições públicas e culturais, porém ainda focadas no entretenimento.

No século XIX, zoológicos tornaram-se coleções taxonômicas de espécies, as quais eram exibidas em jaulas para pesquisa e recreação. Já no século XX, passaram a ser conhecidos como “museus vivos”, pois tinham como foco representar os diversos tipos de comportamentos e habitats dos animais. Este período histórico foi marcado pelo início de um movimento da sociedade e da comunidade científica, questionando a necessidade e o real propósito desse tipo de instituição. Consequentemente, os zoológicos diversificaram seus papéis, de forma a contribuir também para a conservação e, posteriormente, para a educação.

Hoje, o propósito da instituição vai além do entretenimento e inclui a pesquisa científica, a conservação e a educação. Estes são os quatro principais papéis estabelecidos pela literatura da área e pela legislação brasileira, dada pela Instrução Normativa do IBAMA 169 de 2008, que institui zoológicos como categoria de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro. Mas quais são as possibilidades e ações desenvolvidas dentro de cada um desses âmbitos?

Segundo a Associação Mundial de Zoológicos e Aquários (WAZA), o propósito primordial dos zoológicos modernos é a conservação. Nesta esfera, há uma tendência global para a adoção de estratégias que englobem também fragmentos de habitats naturais (conservação in situ), mas, geralmente, os zoológicos ganham destaque pela conservação de espécies em cativeiro (conservação ex situ).  Com relação a essa última, é importante destacar de onde vem os animais que vivem nos zoológicos do Brasil. Grande parte destes indivíduos são vítimas do tráfico, da criação ilegal, dos circos, da caça predatória e de acidentes, como os atropelamentos e as queimadas. Depois de encaminhados à instituição, uma equipe especializada trabalha na reabilitação destes animais e, quando possível, realiza sua reintrodução na natureza. Um bom exemplo é o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), que entre 1970 e 1980 foi quase extinto, restando apenas cerca de 200 indivíduos. Graças a um trabalho cooperativo entre zoológicos, micos-leões criados em cativeiro foram reintroduzidos na natureza e a população aumentou para cerca de 1.000 indivíduos. Essa função torna os zoológicos essenciais para a conservação de muitas espécies, incluindo aquelas ameaçadas de extinção.

Porém, essa não é a única contribuição dos zoológicos para a conservação. Mais recentemente, estratégias ex situ vem sendo conciliadas com estratégias in situ, como projetos de campo e apoio às áreas protegidas, alianças com organizações conservacionistas da região, pesquisas voltadas para a conservação no meio natural e uma educação direcionada para engajar as comunidades na conservação.

Podemos citar alguns exemplos de zoológicos brasileiros que vêm intensificando suas ações no âmbito da conservação in situ, unindo esforços com outras instituições e pesquisadores. O Zoológico de Belo Horizonte possui um histórico de reprodução do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) em cativeiro e conduziu pesquisa de campo sobre a ecologia destes animais em seu habitat natural, combinando-a com estudos comportamentais ex situ, além de um programa de educação voltado para a conservação, utilizando o lobo como espécie bandeira. Um outro caso é a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP), que desde 2015 conta com um Núcleo de Atividades In Situ (NAIS). Uma dessas ações foi promovida por pesquisadores do zoo, que, após identificarem uma grande incidência de morte de macacos bugios por queda e choque elétrico no Parque Estadual Fontes do Ipiranga, adotaram medidas estratégicas para prevenir esses acidentes e, um ano depois, não houve mais registro de mortes. Segundo o coordenador do NAIS, esse tipo de ação mostra uma evolução do papel dos zoológicos, algo novo no Brasil. Assim, muitos desses espaços vêm se tornando grandes centros de conservação, trabalhando não apenas para preservar determinadas espécies em cativeiro, mas também em habitats naturais e ambientes externos aos zoos.

Esses exemplos também ressaltam a importância das pesquisas científicas desenvolvidas pelas instituições zoológicas, que abrangem diversas áreas, como comportamento, genética, fisiologia, medicina veterinária e educação. Embora, no Brasil, muitos zoológicos não tenham condições para manter uma equipe própria de pesquisadores, frequentemente realizam essas pesquisas por meio de parcerias com universidades e outras instituições. Através da pesquisa, os zoos contribuem para o aumento do conhecimento sobre vários aspectos da fauna, fornecendo dados que subsidiam e fortalecem as iniciativas de conservação.

Um estudo liderado pela pesquisadora Katia Roe, em 2014, investigou qual era a percepção de equipes e visitantes de zoológicos em diferentes países acerca das prioridades da instituição. Os resultados indicaram que ambas as partes consideraram a educação como uma das principais funções de um zoo. Além desta expectativa em relação à aprendizagem nesses espaços, há o fato de que muitas pessoas residentes de regiões urbanas não têm a oportunidade de visitar áreas naturais distantes e observar animais em vida livre. Nesses casos, os zoológicos se tornam as opções mais acessíveis para que a população possa ter contato com a natureza e aprender sobre a importância da conservação. Geralmente, esses locais contam com uma equipe de educação ambiental treinada para desenvolver atividades educativas com o público. Tais atividades, além de informar sobre a fauna e flora do ponto de vista biológico, têm um potencial enorme para discutir problemáticas ambientais e engajar os visitantes a atuar de maneira sustentável.

Além de proporcionar oportunidades educativas, estudos como o de Susan Clayton de 2011, demonstram que idas aos zoológicos são capazes de intensificar o suporte à conservação ao promover uma conexão dos visitantes com a natureza. Para a autora, essa conexão ocorre quando o indivíduo reconhece seu pertencimento e interdependência com o meio natural. Assim, torna-se mais provável que essas pessoas criem uma cultura de cuidado e responsabilidade com os animais e o meio ambiente e, desta forma, se engajem em atitudes em prol da conservação.

Isso é ainda mais significativo se considerarmos o potencial de alcance dos zoológicos, que, segundo uma estimativa realizada pela WAZA, juntamente com os aquários, são visitados anualmente por cerca de 700 milhões de pessoas. Grande parte das instituições são públicas e de fácil acesso, localizadas em centros urbanos, e com entrada gratuita, o que propulsiona a potencialidade desses espaços como locais de ensino-aprendizagem e de conexão com a natureza.

Por serem gratuitos e acessíveis em muitos municípios, os zoos também são uma opção de lazer amplamente frequentada por diferentes classes econômicas, incluindo aquelas com baixo poder aquisitivo. Embora o entretenimento não seja mais o único papel da instituição, esse ainda é um aspecto priorizado por grande parte dos visitantes, que não necessariamente é incompatível com os demais. Inclusive, por ser um ambiente educacional e ao mesmo tempo recreativo, zoológicos têm a oportunidade de oferecer ao público a experiência de “aprender por diversão”.

 

Mas afinal, zoológicos são necessários?

Em um cenário ideal, os animais permaneceriam em seus habitats naturais e zoológicos não seriam necessários. Porém, infelizmente, a realidade é que esses habitats estão sendo fragmentados e destruídos, animais estão sendo extintos e contrabandeados e, por isso, necessitam de uma destinação adequada, com profissionais capacitados para garantir o manejo apropriado e bem-estar de cada indivíduo. 

No entanto, é essencial pensar não apenas nas demandas sociais dos zoológicos (como educação, pesquisa e lazer), mas, especialmente, em como atendê-las sem comprometer o bem-estar dos animais que residem nesses espaços. É preciso também promover práticas educativas que abordem como os animais foram parar no zoológico e como os visitantes podem contribuir para que menos animais cheguem até lá. Ainda, as visitas devem enfatizar respeito e cuidado para com a fauna e evidenciar que o zoológico concentra seus esforços nas necessidades individuais dos animais, não apenas na alimentação, mas também nos estímulos intelectuais e interações sociais que ocorrem por meio do enriquecimento ambiental. Desta forma, o visitante compreende que os animais não estão ali apenas para entretenimento humano e torna a conhecer a complexidade da instituição. Para que isso aconteça, é necessário que as equipes dos zoológicos discutam e se apropriem de suas funções no local onde trabalham e as comuniquem de forma clara à sociedade.

De fato, incorporar todas as responsabilidades constitui um grande desafio para os zoológicos, ainda mais quando se considera a escassez de recursos financeiros, uma realidade no caso dos brasileiros. Por isso, é preciso lutar por maiores investimentos e melhores condições nesses espaços, de forma que eles tenham estrutura e recursos garantidos para cumprir sua missão e atuar nos quatro pilares da conservação, da educação, da pesquisa e do lazer.

Colaboração: Nicole Wiezel de Carvalho sobre a autora

                        Bruna Lima Ferreira sobre a autora

Fontes consultadas:

– Artigo científico intitulado “A comparison of zoos’ reported priorities and what visitors believe they should be”, publicado na revista Anthrozoös em 2014, de autoria de Roe, K. e colaboradores; 

– Artigo científico intitulado “Leaving the ark: project lobo-guará (maned wolf) at the Belo Horizonte Zoo, Brasil”, publicado na revista International Zoo News em 2002, de autoria de Leite-Young, M. e colaboradores;

Artigo científico intitulado “The Global Reach of Zoos and Aquariums in Visitor Numbers and Conservation Expenditures”, publicado na revista Zoo Biology em 2010, de autoria de Gusset, M. e Dick, G.;

– Artigo científico intitulado “The role of zoos in fostering environmental identity”, publicado na revista Ecopsychology em 2011, de autoria de Clayton, S. e colaboradores;  

– Relatório da Associação Mundial de Zoológicos e Aquários, intitulado “Construindo um futuro para a vida selvagem: estratégia mundial dos zoos e aquários para a conservação”, publicado em 2005 (Relatório);

– Site da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (Website)

Matéria no site do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo intitulada “Zoológico tem projetos de conservação com animais de vida livre”, publicada em 23/03/2018.  (Matéria);

Matéria no site do Center for Humans and Nature intitulada “Pathways to connectedness”, publicada  em 06/05/2016. (Matéria);

– Matéria no site do Center for Humans and Nature intitulada “Learning to care about animal conservation”, publicada em 12/02/2016. (Matéria).

(Editoração: Fernando Mecca, Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)

Postagens populares

Cannabis sativa: da extração de óleos essenciais à utilização na indústria têxtil

IDC

Do encantamento à conservação: como nós interagimos com a natureza?

IDC

Grupos Sanguíneos Raros

IDC

O que os patos e a Fórmula 1 têm em comum?

IDC

Conheça a biorremediação do petróleo pela Pseudomonas aeruginosa

IDC

O melhor da ciência em 2023

IDC