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Cannabis sativa: qual o papel da maconha na pandemia de COVID-19?

#Ciência et al. (Especiais temáticos repletos de informações científicas)

O potencial terapêutico de substâncias da maconha contra o novo coronavírus e nas implicações à saúde mental provocadas pelo isolamento social

Destaques:
– Substâncias presentes na  maconha modulam o sistema imune e podem reduzir inflamações relacionadas aos casos graves da COVID-19;
– A aplicação do extrato de Cannabis sativa em diferentes mucosas inibiu mecanismos utilizados pelo novo coronavírus como entrada no organismo;
O canabidiol apresenta ação ansiolítica e antidepressiva, mediada por neurogênese no hipocampo.

A Cannabis sativa é uma planta da família das canabiáceas e a sua utilização remonta a 2800 a.C. Dentre as suas características, o que mais se destaca na planta são seus constituintes químicos, como o tetrahidrocanabinol (THC), principal constituinte psicoativo da planta. Além deste, a planta conta com muitos outros compostos, como os canabinóides, sendo o canabidiol (CBD) o mais conhecido. Ambos vêm despertando interesse da medicina por apresentarem atividade imunomoduladora, permitindo um efeito positivo no tratamento de pessoas que apresentam doenças autoimunes e inflamações crônicas e, mais recentemente, investigadas para o tratamento da COVID-19.

Um dos grandes males causados pela infecção do novo coronavírus é a inflamação aguda que atinge o trato respiratório. Essa infecção está associada a uma tempestade de citocinas, que causam sintomas como febre, tosse, dor muscular e, nos casos mais extremos, pneumonia grave com obstrução dos pulmões e dificuldade respiratória. Diante disso, as pesquisas têm focado em tratamentos que diminuam a inflamação, controlando a produção e a liberação das moléculas pró-inflamatórias.

Os fármacos que atuam na redução da atividade da citocina Interleucina-6 (IL-6) foram os favoritos para auxiliar no controle da inflamação, sendo o Tocilizumabe um dos candidatos. Apesar de apresentar grande eficácia na recuperação de 90% dos pacientes, a presença de efeitos colaterais graves, como hipertrigliceridemia e inflamação no pâncreas, impede a administração dessa substância em pacientes com doenças relacionadas preexistentes. Diante disso, a procura por uma alternativa terapêutica contra a COVID-19 levou os cientistas a avaliarem a utilização do CBD e do THC. Essas moléculas foram escolhidas por apresentarem ação imunomoduladora já estudada.

Em um estudo, a aplicação do THC em modelo animal promoveu a ativação de receptores canabinóides CB1 e CB2 nas células do sistema imunológico, mobilizando células mielóides supressoras que ajudam no controle de uma resposta imune descontrolada, como no caso da reação imunológica exacerbada na COVID-19. Um outro estudo demonstrou em pacientes com HIV que o THC pode ser responsável pelo aumento da produção de células CD4 e CD8, envolvidas no combate de doenças. Apesar de seus efeitos imunomoduladores, o THC apresenta efeitos colaterais, como desorientação, ansiedade e aumento da frequência cardíaca, sendo menos tolerado que o CBD.

O CBD tem seu potencial anti-inflamatório relatado em diversos estudos, por sua capacidade de reduzir a produção de diversas citocinas pró-inflamatórias, dentre elas a IL-6, Interleucina-2 (IL-2), Fator de necrose tumoral α (TNF-α) e Interferon gama (IFN-γ), todas relacionadas com a tempestade de citocinas desencadeada nos casos graves da COVID-19. Foi observado ainda o aumento da produção de interferons, moléculas associadas à sinalização de células imunes e à inibição da produção de cópias virais. Paralelamente, um estudo utilizando modelos animais de asma evidenciou a redução de fibrose pulmonar, uma sequela que pode acontecer em pacientes recuperados do novo coronavírus e que consiste no espessamento do tecido dos pulmões, dificultando a respiração. Além disso, o CBD apresenta uma vantagem em relação ao THC: a ausência dos efeitos psicotrópicos.

No contexto da prevenção da infecção, estudos iniciais indicaram que a aplicação do extrato de C. sativa em diferentes mucosas (oral, intestinal e vias áreas) levou à redução da expressão do receptor ACE2 e da serina protease TMPRSS2, ambos relacionados à entrada do vírus na célula hospedeira. Sendo assim, a inibição desses fatores pode indicá-los como potenciais alvos terapêuticos. A pesquisa sugere ainda a aplicabilidade como método profilático através do enxágue bucal e gargarejo regular com o composto em ambiente hospitalar e domiciliar.

A atividade da Cannabis não se limita apenas ao manejo da doença viral. De acordo com a OMS, são 322 milhões de pessoas convivendo com a depressão e 264 milhões com a ansiedade. O Brasil é o país com o maior número de casos de ansiedade no mundo. Já no ranking da depressão, o Brasil ocupa o quinto lugar ficando atrás apenas da Ucrânia, Austrália, Estônia e Estados Unidos. Um estudo realizado pela Universidade do Estado Rio de Janeiro (UERJ) evidenciou que o isolamento social provocado pela pandemia de COVID-19 dobrou o número de casos de depressão, enquanto os quadros de ansiedade e estresse aumentaram em 80%. Paralelamente, a procura por atendimento psicológico através das plataformas digitais também disparou. Nesse cenário, a C. sativa já é estudada no tratamento de doenças neurológicas, sendo a ansiedade e a depressão algumas delas. Experimentos in vivo já demonstraram o potencial do CBD como ansiolítico e antidepressivo em ratos, sem efeitos tóxicos ou adversos nos animais. Acredita-se que o mecanismo de ação seja mediado por neurogênese no hipocampo.

Diante do evidenciado, é possível perceber que a utilização da maconha e de seus compostos vai muito além do uso recreativo, podendo ser aplicado como tratamento para diferentes doenças. Seus mecanismos de imunomodulação indicam sua possível aplicabilidade na COVID-19, assim como nas consequências à saúde mental, desencadeadas pelo isolamento social. Sendo assim, avaliar o potencial farmacológico dessa planta é vital para a medicina e para a população.

Colaboração: Ramona Widmer sobre a autora

                        Carlos Augusto Brandão sobre o autor

Fontes consultadas:

– Artigo científico intitulado “A comparison of zoos’ reported priorities and what visitors believe they should be”, publicado na revista Anthrozoös em 2014, de autoria de Roe, K. e colaboradores; 

– Matéria no site da Revista Galileu intitulada “Afinal, a Cannabis pode ajudar no tratamento da Covid-19?”, publicada em 08 de abril de 2020 (Matéria);

– Matéria no site da Revista Forbes intitulada “Estudo indica que Cannabis pode reduzir inflamação do pulmão pela COVID-19”, publicada em 22 de julho de 2020 (Matéria);

– Artigo científico intitulado “An Update on Safety and Side Effects of Cannabidiol: A Review of Clinical Data and Relevant Animal Studies”, publicado pela revista Cannabis and cannabinoid  em 2017, de autoria de Iffland, K. e Grotenhermen, F.;

– Artigo científico intitulado “Cannabis und Cannabinoide in der Medizin: Fakten und Ausblick”, publicado pela revista Suchttherapie em 2016, de autoria de Grotenhermen, F e Müller-Vahl, K.;

– Artigo científico intitulado “Cannabidiol induces rapid-acting antidepressant-like effects and enhances cortical 5-HT/glutamate neurotransmission: role of 5-HT1A receptors” publicado pela revista Neuropharmacology em 2016, de autoria de Linge, R. e colaboradores;

– Matéria no site da UERJ intitulada “Pesquisa da Uerj indica aumento de casos de depressão entre brasileiros durante a quarentena”, publicada em 05 de maio de 2020 (Matéria);

– Matéria no site do G1 intitulada “Coronavírus: Psicólogos se adaptam e prestam atendimento virtual durante a quarentena”, publicada em 11 de abril de 2020 (Matéria);

– Matéria no site Sindjustiça intitulada “Brasil tem maior taxa de transtorno de ansiedade do mundo, diz OMS”, publicada em junho de de 2020 (Matéria);

– Artigo científico intitulado “In Search of Preventative Strategies: Novel Anti-Inflammatory High-CBD Cannabis Sativa Extracts Modulate ACE2 Expression in COVID-19 Gateway Tissues”, publicado na revista Preprint em 2020, de autoria de Wang, B. e colaboradores;

– Artigo científico intitulado “The potential of cannabidiol in the COVID‐19 pandemic”, publicado pela revista British Pharmacological Society em 2020, de autoria de  Esposito, G. e colaboradores.

(Editoração: Fernando Mecca, Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)

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