Em agosto deste ano, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) enviou uma nota ao Ministério da Educação (MEC) sobre a possível suspensão das bolsas de pós-graduação a partir de agosto de 2019. Essa medida seria uma consequência da redução orçamentária prevista para o próximo ano, resultado da política de limitar a despesa pública instituída pela Lei do Teto de Gastos, e afetaria cerca de 93 mil alunos de pós-graduação.
A notícia abalou o país, muitos encararam o anúncio como o “fim prenunciado da ciência no Brasil”. Após alguns dias, a comoção levou o Ministro da Educação a se pronunciar, garantindo que as bolsas seriam mantidas. Apesar disso, o corte de 12% previsto para o orçamento do MEC que deve ser passado proporcionalmente à CAPES em 2019, bem como a recém-anunciada possível transferência da área do Ensino Superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia, geram preocupação e muitas incertezas principalmente em relação ao desenvolvimento de pesquisas em ciência básica.
Agora foi a vez do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também se manifestar. Em uma apresentação na comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara no dia 6 de novembro, Marcelo Morales, representante do CNPq, alertou que os recursos propostos para 2019 serão suficientes para garantir o funcionamento da agência somente até setembro. Como exemplo da crise sofrida pela instituição, Morales apontou a diminuição dos recursos para a internacionalização dos pesquisadores, que atualmente cobrem apenas 4% de todas as propostas recebidas (em 2013, eram atendidas cerca de 30% dos pedidos).
Para entender como a falta de investimento do governo na pós-graduação pode afetar não só a produção científica, mas todo o desenvolvimento do país, precisamos entender como a ciência é feita no Brasil!
Tipos de pesquisas: ciência básica vs. aplicada
Primeiramente vamos falar sobre o que é “pesquisa básica” e “pesquisa aplicada”. Esses conceitos foram abordados inicialmente por Aristóteles (384-322 a.C.). Para ele, a pesquisa básica baseia-se na aquisição de novos conhecimentos e desenvolvimento de teorias de conceitos e princípios das leis natureza e cosmo. Já a pesquisa aplicada é voltada para o uso de conhecimentos vindos da pesquisa básica para a aquisição de novos conhecimentos e resolução de problemas, ou seja, é o conhecimento da técnica visando um fim específico e prático. Essa divisão, no entanto, é apenas uma questão de sistematização e não representa uma independência de suas partes. Na verdade, as duas são complementares e dependem uma da outra.
Na prática, as pesquisas voltadas para as áreas básicas podem ter custos relativamente mais altos e prazos mais longos quando comparados aos da ciência aplicada, o que leva muitos a acreditarem que os incentivos à ciência básica são um “desperdício” de recursos. No entanto, sem esse “desperdício”, grande parte das maiores descobertas científicas, que geraram aplicações tecnológicas tão fundamentais para a nossa sociedade, não teriam sido alcançadas. Um bom exemplo são os conhecimentos teóricos desenvolvidos por Einstein sobre emissão estimulada que, anos mais tarde, contribuíram para o desenvolvimento de lasers atualmente utilizados na medicina, metalurgia, telecomunicações, etc. Ou seja, mesmo que a pesquisa de base não dê nenhuma perspectiva de utilidade a curto e médio prazo ela não deve ser considerada dispensável. Além da expansão do nosso conhecimento, ela pode sustentar o desenvolvimento de aplicações que não estavam previstas.
Quem são e onde estão os pesquisadores brasileiros?
Não foi à toa que o exemplo de Albert Einstein foi citado acima. Muitas vezes criamos uma imagem de um cientista como alguém de idade avançada, com uma fisionomia de louco, que veste um jaleco branco e porta óculos, que trabalha sozinho em um laboratório e realiza experimentos perigosos. Mas a verdade é que o cientista não segue um estereótipo: qualquer um pode ser cientista, inclusive seu vizinho! No Brasil, ser “Cientista” não é uma profissão. Mas então quem produz o conhecimento científico? Onde ele é produzido?
A pesquisa no Brasil é realizada em universidades públicas e privadas, institutos de pesquisa, ou ainda em instituições particulares, como empresas que possuem seu próprio departamento de Pesquisa e Desenvolvimento. A grande maioria dos pesquisadores, no entanto, está nas instituições de ensino superior (67,5% do total em 2010). Além disso, são as universidades públicas que apresentam uma maior quantidade de publicações científicas: a lista das 500 universidades mais produtivas do mundo de 2011, elaborada pela Universidade de Comunicações de Xangai (Shangai Jiao Tong University – SJTU), conta com 6 universidades brasileiras: USP, UNICAMP, UFMG, UFRJ, UNESP e UFRG, todas de administração pública.
Dentro das universidades públicas a produção do conhecimento científico é feita por professores e principalmente por alunos de cursos de pós-graduação stricto sensu, ou seja, programas de Mestrado ou Doutorado. Essa produção cresceu muito desde que a CAPES foi criada em 1951. O número de alunos matriculados nos cursos de mestrado em 2015 era de 121.451, enquanto que em cursos de doutorado, o número de matriculados que era 102.365. Segundo levantamento da própria CAPES, estes números apresentam uma tendência de forte crescimento, mas para isso será necessário investimento!
Quem financia a pesquisa no Brasil?
No Brasil, o financiamento para a pesquisa vem basicamente de órgãos governamentais de fomento a nível federal, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). No nível estadual, quase todos os estados fundaram suas próprias Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), seguindo o pioneirismo do estado de São Paulo, que criou em 1962 a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Além disso, também são observados financiamentos indiretos através dos orçamentos das próprias universidades, que criam agências próprias de pesquisa, e investimento de empresas públicas (como a Embrapa) ou privadas, através de algum benefício fiscal.
Mais da metade dos financiamentos para a pesquisa vem das fontes governamentais. As duas agências federais de fomento à pesquisa, CAPES e CNPq, financiam a pesquisa dos pós-graduandos por meio de auxílios aos projetos de pesquisa e bolsas de pós-graduação. Há pouca variação em relação ao valor das bolsas concedidas entre agências federais e a maioria das FAPs: em média R$ 1.500,00 para mestrandos e R$ 2.200,00 para doutorandos.
Qual a importância desse investimento para o país?
Ciência e crescimento econômico são elementos de um sistema de retroalimentação – a produção de ciência atua como um dos combustíveis para a economia, mas se alimenta do financiamento governamental e, em alguns casos, do financiamento privado. Aumento de capital, trabalho, e produção tecnológica, geram crescimento econômico, enquanto o próprio crescimento econômico também favorece aumento de capital, trabalho e produção tecnológica – a relação é mútua. O investimento do Estado em ciência também promove a geração de trabalho, capital, e produção tecnológica, por meio da promoção de ciência e tecnologia que desencadeia na necessidade de gestão dos recursos e na formação de profissionais especializados (acadêmicos e técnicos). A promoção econômica do setor científico pode ainda atrair o investimento de capital privado, e esse sistema resulta na geração de empregos, produção tecnológica, e consequente aumento a qualidade de vida da população.
Governos investem em ciência utilizando parte da arrecadação de impostos e transformando diretamente esse fundo em chamadas de financiamento à pesquisa. Além do investimento direto à pesquisa, recentemente os governos têm também buscado incentivar empresas privadas a disponibilizarem projetos de financiamento à ciência e tecnologia por meio de acordos de redução de impostos pagos pelas empresas ao governo.
Quanto o Brasil investe em ciência e quais as consequências disso?
Segundo dados da UNESCO, os três países que mais investem em desenvolvimento de pesquisa (em relação a porcentagem do seu PIB) são: Coreia do Sul (4,3%), Israel (4,2%), Japão (3,4%). O Brasil é o 28º neste ranking com apenas 1,3%. Esses valores levam em consideração o investimento tanto do setor público quanto do setor privado. Destaca-se que esses dados compilados pela UNESCO são atualizados para vários países, no entanto os valores do Brasil são de 2014, ano que houve o ápice de investimento em pesquisa e desenvolvimento. A estimativa é que a posição no ranking caia ainda mais, uma vez que só em 2017 a porcentagem do PIB investida em P&D foi de apenas 1%.
A descontinuidade ou diminuição de recursos para bolsas pode causar danos irreversíveis para ciência no país. A interrupção de projetos em andamento significa a perda dos recursos investidos, gera fuga de cérebros, e escassez de cientistas qualificados. Por consequência, impactos de médio e longo prazo poderão ser observados em diversos setores, desde a saúde até a economia. Sem inovação a economia tende a desacelerar, o que pode levar a uma crise econômica. A pesquisa e desenvolvimento enriquecem a pauta de comércio não apenas em valor agregado, mas no acréscimo de conhecimento.
O que podemos fazer?
Você pesquisador e/ou educador pode começar simplesmente divulgando para a sociedade o seu trabalho e projeto de pesquisa, e a importância dele em um cenário global. Converse com sua família e amigos e os conscientizem sobre a importância dos investimentos na pesquisa e educação. Você que não é pesquisador mas compreende a importância da pesquisa e educação para o desenvolvimento de um país pode compartilhar esse texto com seus amigos.
Nós do Ilha do Conhecimento, assim como muitos outros projetos de divulgação científica, trabalhamos exatamente com esse ponto: popularizar a ciência e aproximá-la cada vez mais do restante da sociedade. Ajude-nos a divulgar o papel da ciência em nossas vidas! Estamos lutando contra uma grande desvalorização das pesquisas, tanto por parte do governo quanto da população. Quanto mais pessoas entenderem o papel importante dos estudos para a melhoria do nosso dia-a-dia, mais força ganhamos para conseguir dar continuidade aos nossos trabalhos!
Ciência et al: Eduardo Domingos Borges sobre o autor
Priscila S. Rothier sobre a autora
Robson Amaral sobre o autor
Rodrigo Hakime sobre o autor
Viviane Paiva Santana sobre a autora
Fontes consultadas:
Angelo C. Brazilian scientists reeling as federal funds slashed by nearly half. 2017. Nature. 544: 7648.
Fazzio. Uma breve análise do financiamento da pesquisa no Brasil. 2017. PesquisABC. 9.
Jaffe K, Caicedo M, Manzanares M, et al. Productivity in physical and chemical science predicts the future economic growth of developing countries better than other popular indices. 2013. PloS One 8: e66239.
Weng L, Song W, & Sheng SB. Empirical research on scientific and technical innovation and economic growth in Shanghai. 2012. American Journal of Operations Research, 2: 82.
UNESCO, 2018. Disponível em: http://uis.unesco.org/apps/visualisations/research-and-development-spending/.
Portal da Transparência, 2018: Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/19-ciencia-e-tecnologia?ano=2014.
(Editoração: Viviane Santana, Eduardo Borges e Caio Oliveira)