Image default

Mãe cientista x Licença-maternidade

Existe realmente licença-maternidade no mundo da ciência?

Destaques:
– A competitividade para obter financiamento para pesquisa não permite às mães cientistas desfrutarem de forma plena o período de licença-maternidade;
– Mães cientistas seriam obrigadas a parar suas atividades científicas bem antes da gravidez para não pensar em trabalho durante a licença-maternidade: um cenário irrealista para muitas;
– Não é uma pessoa e nem a universidade, mas o sistema que pressiona a produção científica.

A licença-maternidade – período em que a mãe suspende suas atividades no trabalho para poder se dedicar ao novo bebê que chegou, por gestação ou adoção – no Brasil varia de 4 a 6 meses. Em muitas profissões, as mães realmente conseguem se desligar totalmente do trabalho durante a licença-maternidade e isso é maravilhoso, mas, infelizmente, a realidade de muitas mães cientistas é outra.

Sou bióloga, professora, cientista, mãe de duas meninas (Laura de 5 anos e Clara de 5 meses) e, com meus próprios exemplos de licença-maternidade, posso ilustrar este cenário. Depois de muito sonhar com a maternidade, mas adia-la por causa da carreira, tive minha primeira filha, Laura, em 2014, durante o meu pós-doutorado na Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto (meu texto sobre sonho de “Ter filhos ou seguir carreira acadêmica? Temos mesmo que escolher?” pode ser acessado aqui). No pós-doutorado (2011 a 2015), eu estava realizando minha pesquisa sobre camarões marinhos e, enlouquecida, prestando vários concursos em universidades públicas, em busca do tão sonhado emprego como professora universitária e pesquisadora.

mãe trabalha em laboratório com bebê no colo
Mariana analisando larvas de camarões no microscópio do laboratório enquanto segurava a Clara. Imagem: Arquivo pessoal.

Tive 4 meses de licença-maternidade concedidos pela agência de fomento que financiava meu pós-doutorado. Porém, estando naquela fase competitiva de prestar concursos, não poderia simplesmente parar por 4 meses, congelar a vida acadêmica. Segui trabalhando em casa, escrevendo artigos científicos para publicação. Bebê dorme, mamãe vai para o computador, bebê não dorme, mamãe trabalha com uma mão só no computador enquanto segura a bebê com a outra, ou balança o carrinho com o pé enquanto digita (fazendo isso neste momento com a segunda filha!). Os concorrentes estavam produzindo e, por isso, eu também tinha que produzir se quisesse seguir competitiva nos concursos.

E lembro que eu pensava, sempre sonhadora: “quando meu segundo filho nascer, estarei empregada e será mais tranquila esta pressão por produção científica, vou curtir mais a licença”. Mas estava enganada! Agora empregada na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em Porto Alegre, desde 2018, e de licença-maternidade há 5 meses, não teve uma semana desde que a Clara nasceu em que eu não trabalhei. Não há uma pessoa que pressione, nem a universidade pressiona, mas o sistema pressiona. Para realizar pesquisa, precisamos de financiamento e não apenas do emprego. Claro que nessa segunda licença-maternidade a minha estabilidade está garantida, o sustento está garantido, não é como no pós-doutorado que a bolsa tinha data para acabar.

pesquisadora escreve no computador com filha no colo
Mariana trabalhando em casa: um olho no Word e um olho na Clara. Imagem: Arquivo pessoal.

E, para obter financiamento, a primeira coisa que as agências de fomento analisam são os currículos. Felizmente, nos últimos anos, muitos editais de financiamento têm incluído um ou dois anos a mais (para cada filho) de análise para candidatas que tiveram filhos, para tentar equilibrar a balança na hora da concorrência com pesquisadores homens ou mulheres sem filhos. Mas muitos editais ainda ignoram esse fator. Então, a única forma que eu encontrei de me manter com um currículo competitivo foi seguir trabalhando durante a licença-maternidade mais uma vez: quando a bebê dorme ou com uma mão só ou acordando as quatro da madrugada para corrigir dissertações de mestrado, escrever/revisar artigos científicos, escrever e enviar projetos para pedidos de novos financiamentos, etc. Claro que a prioridade é a Clara e, às vezes, quando chora eu olho para ela e falo: “isso é para me lembrar que estou de licença, né, mocinha?”. Toda mãe sabe que os bebês têm dias melhores e piores, mas nos dias melhores eu aproveito para trabalhar.

A realidade é que, para uma mãe cientista não pensar em trabalho durante os seis meses de licença-maternidade, a pesquisadora deveria: não aceitar orientar alunos de iniciação científica por um ano e meio antes do bebê nascer, não aceitar orientar alunos de mestrado por dois anos e meio antes do nascimento do bebê, não aceitar orientar alunos de doutorado por quatro anos e meio antes do nascimento do bebê, não estar participando de nenhum trabalho em colaboração com outros pesquisadores, não ter submetido artigos para publicação em revistas científicas um ano antes do bebê nascer. Isso tudo é um tremendo absurdo! Se alguém fizer isso vai levar um bom tempo para retomar tudo quando voltar ao trabalho e vira uma licença de quase cinco anos. 

Por isso, eu sempre respondo a quem me questiona o porquê estou trabalhando durante a licença: “a pesquisa não para”. Não vejo forma de parar e retomar facilmente ao final da licença-maternidade, ainda mais com a escassez atual de recursos destinados à pesquisa.

Eu poderia sim parar totalmente por seis meses e voltar que meu emprego estaria garantido, meu salário estaria garantido. Algumas mães cientistas devem conseguir se desligar, mas eu não consegui, pois, a pesquisa com meus camarões não estaria garantida. Eu decidi estudar biologia para ser cientista, então, não quero abrir mão de viver este sonho.

Mariana, Laura e Clara. Imagem: Arquivo pessoal.

 

Especial “Mulheres na Ciência”: Mariana Terossi sobre a autora

Fontes consultadas:

– Terossi, M.  Ter Filhos Ou Seguir Carreira Acadêmica? Temos Mesmo Que Escolher? Disponível em: http://mulheresnaciencia.com.br/ter-filhos-ou-seguir-carreira-academica-temos-mesmo-que-escolher/ Acessado em: 25/02/2020.

 

(Editoração: Beatriz Spinelli, Fernando Mecca, Eduardo Borges)

Postagens populares

ESPECIAL: DIA DA MULHER!

IDC

O melhor da ciência em 2023

IDC

Ressoa, Oceano!

IDC

O melhor da ciência em 2022

IDC

ELEIÇÕES: Conheça os planos para a ciência e tecnologia dos candidatos à presidência do Brasil

IDC

III Divulga Ciência

IDC