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Um oceano transparente e acessível

#Década do Oceano (Uma parceria pela sustentabilidade do oceano)

A educação ambiental e o conhecimento ecológico local como ferramentas de transformação na conservação de espécies marinhas

Destaques:
– Tartarugas marinhas e elasmobrânquios (tubarões e raias) são alguns dos grupos mais ameaçados no ambiente marinho;
– Elasmobrânquios sofrem com amplas falta de conscientização da população e de informação da procedência do peixe consumido, que em 70% dos casos é desconhecida;
– O conhecimento ecológico formal e local sobre animais ameaçados de extinção auxiliam no desenvolvimento de um pensamento crítico e sensível à conservação e preservação desses animais e dos seus habitats, bem como na gestão pesqueira;
– O Projeto Tamar é referência mundial em educação ambiental, sensibilização pública, geração de oportunidades de trabalho local e produção de conhecimento para a conservação das tartarugas marinhas.

Por meio da educação ambiental é possível entender a importância da conservação de diferentes ambientes e sua biodiversidade. É a educação ambiental a responsável por “processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem como de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”, de acordo com o artigo 1º da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei Federal no 9795/1999).

O Projeto Tamar, que valoriza e contribui para a conservação e preservação das tartarugas marinhas no Brasil, é um exemplo a nível mundial de como a educação ambiental pode exercer um papel transformador na vida e na forma como as pessoas interagem com a natureza e o meio onde vivem, influenciando na mudança de pensamentos e hábitos. Originado em 1980, quando, ao subirem às praias para desovar, a maioria das fêmeas de tartarugas marinhas eram abatidas e tinham seus ovos coletados para consumo, o Projeto Tamar tornou-se pioneiro na preservação e conservação desses animais.

Além da educação ambiental, o projeto gera sensibilização pública, oportunidades de trabalho local e produção de conhecimento para a conservação das tartarugas marinhas. Exemplos de ações são “Nem tudo que cai na rede é peixe”, com objetivo de reduzir a captura acidental e intencional de tartarugas marinhas; o programa “Tamar na escola” e a campanha “Nossa praia é a vida” visando a informação com intervenções educativas nas praias. As atividades são realizadas em diversas bases do Projeto, localizadas em vários estados do Brasil, como na Praia do Forte, Bahia, que recebe cerca de 600 mil pessoas por ano.

Das sete espécies de tartarugas marinhas existentes no mundo, cinco são encontradas no Brasil e todas estão na lista de espécies ameaçadas de extinção: Tartaruga de pente (Eretmochelys imbricata) – criticamente em perigo, Tartaruga verde (Chelonia mydas) – em perigo, Tartaruga cabeçuda (Caretta caretta) – vulnerável, Tartaruga oliva (Lepidochelys olivacea) – vulnerável e Tartaruga de couro (Dermochelys coriacea) – vulnerável.

Uma das formas de monitorar esses animais é por meio da ocorrência de desovas, quantidade de ninhos e filhotes nascidos, que pode ser feita não só por pesquisadores, voluntários do projeto Tamar e o poder público, mas também por um cidadão comum.

oceano
Figura 1. Soltura de filhotes de tartaruga de pente na Praia do Janga com a presença de frequentadores da praia e moradores da área, em março de 2020. Foto de Bruna Maldonado

A participação da população, sobretudo dos frequentadores das praias (banhistas, comerciantes, pescadores, marisqueiras, escolas, proprietários de marinas e hotéis), é fundamental para a conservação das tartarugas marinhas. Momentos como as solturas de filhotes, com a presença de vários entes da sociedade, são oportunidades importantes para sensibilizar as pessoas sobre a vida desses animais, quais ameaças eles sofrem, o motivo de preservá-los, propagando informações que ajudarão na conservação das tartarugas. Desse modo, a população torna-se parceira do Projeto, contribuindo no monitoramento, ao avisar o órgão ambiental competente sobre a ocorrência de possíveis desovas, nascimentos de filhotes, tartarugas encalhadas vivas ou mortas e até mesmo se houve interferências nos ninhos.

Além das tartarugas marinhas, outros animais que precisam ser olhados com carinho são os tubarões. A desmistificação de que esses animais são ruins é extremamente urgente, pois nós é que estamos sendo os verdadeiros vilões para essas espécies, conforme mostram os dados da União Internacional para a Conservação da Natureza.

Os elasmobrânquios, nome do grupo que compreende raias e tubarões, estão entre os animais mais ameaçados do mundo, com declínios populacionais de até 90%, e cerca de 25% das espécies descritas estão sob algum tipo de ameaça. Esse cenário é reflexo de ineficientes políticas governamentais de regulamentação e fiscalização das capturas e comércio, além da falta de conscientização e informação da procedência do que é consumido, que em 70% dos casos é desconhecida – o Brasil é o país que mais consome carne de tubarão sem saber. A diminuição de elasmobrânquios traz graves consequências ao ecossistema marinho, pois eles são predadores de topo.

Nesse contexto, a pesca artesanal se destaca como uma importante atividade socioeconômica e cultural para as comunidades pesqueiras. Estima-se que ela represente entre 50 e 68% da fonte de proteína consumida pelas populações residentes. Além disso, os pescadores artesanais possuem grande participação no campo da etnobiologia por meio do seu vasto conhecimento acerca da natureza e a seletividade de espécies na hora da pesca.

Estudos etnobiológicos proporcionam uma relação direta e íntima entre o homem e a natureza, possibilitando ações de conscientização para um melhor aproveitamento dos recursos naturais. Dessa forma, o conhecimento popular e o contato direto dos pescadores com espécies ameaçadas exercem um papel importante nas fiscalizações das espécies que estão sendo desembarcadas, conservando os recursos pesqueiros e desenvolvendo estratégias para uma pesca mais sustentável. Na falta de fiscalização governamental, o Conhecimento Ecológico Local (CEL) nos permite obter informações através do conhecimento dos pescadores de determinada região.

No caso dos elasmobrânquios, o CEL se mostra fundamental. Mesmo com a ameaça iminente à pesca de tubarões e raias em águas brasileiras, o monitoramento não atua há quase uma década, comprometendo a avaliação dos níveis de conservação dessas espécies. Isso significa que, muitas vezes, espécies que estão ameaçadas de extinção estão sendo capturadas e comercializadas frequentemente apenas como “cação” – nome genérico e comercial para peixes de diferentes espécies de elasmobrânquios –, mascarando a identificação da espécie e dificultando a atualização dos níveis de conservação.

Para que se torne possível compreender a dinâmica e a diversidade das espécies de tubarões e raias, de maneira confiável, é necessário acessar o conhecimento dos pescadores artesanais sobre o assunto. Desta maneira, o CEL fornece uma alternativa para obtenção de dados para uma avaliação confiável do estado de conservação dos elasmobrânquios, auxiliando na gestão pesqueira.

Tanto no caso das tartarugas marinhas quanto dos elasmobrânquios, nota-se a importância do envolvimento da população local para a realização de ações de conservação efetivas. Esse envolvimento só é possível quando há uma conversa transparente entre as partes envolvidas (biólogos, governo e população), e todos os aspectos (ecológicos, culturais e econômicos) são considerados. Iniciativas com essas características, como é o caso do Projeto Tamar, são a melhor alternativa para alcançar um oceano que seja melhor para todos.

Especial Década do Oceano – Uma parceria entre a Ilha do Conhecimento, a Liga das Mulheres pelo Oceano e a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano

 

Colaboração:

Bruna Roberta Santos Maldonado sobre a autora            

(Bruna é) Analista Ambiental da Prefeitura do Paulista, Engenheira Agrônoma de Formação, Especialista em Gestão Ambiental, Mestra em Engenharia do Ambiente pela Universidade Trás os Montes e Alto Douro, Portugal, com ênfase em Resíduos Sólidos Urbanos. Ademais, , é Ativista Ambiental desde adolescência, lutando pela preservação e conservação dos recursos naturais e sua biodiversidade, é Fotógrafa Intuitiva, ama fotografar a natureza, onde atua como fotógrafa, além de pesquisadora, no Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista, Pernambuco.

Raphaella Guebara Dequech sobre a autora       

(Raphaella é) Estudante de Biologia Marinha na Universidade Santa Cecília, amante da natureza e do oceano, mergulhadora, luta pela conservação dos mares e sua biodiversidade, desmistificação e preservação dos tubarões e raias, através da educação ambiental.

Tássia Biazon sobre a autora       

(Tássia é) Bióloga e jornalista científica. Atualmente é pós-graduanda na Unicamp e no Centro de Pesquisa Boldrini, colaboradora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano da USP e professora na rede SESI. Tem experiência e interesse em biologia da conservação, biologia molecular, jornalismo científico e divulgação científica.

 

Fontes consultadas:

Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista – PE desenvolvido em Paulista, 2021, por Alves, J., Artoni, A., Loureiro, A., e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Small-Scale   Fisheries   in   Latin America:  management models and challenges” publicado na revista Mast em 2010, de autoria de BEGOSSI, A.

Artigo científico intitulado “Small-scale Fisheries and Biodiversity: Alleviating Poverty and Conserving Natural Resources” publicado na revista Journal of Marine Science: Research & Development em 2013, de autoria de BEGOSSI, A.

Artigo científico intitulado “Conservação e Pesquisa das Tartarugas Marinhas no Nordeste Brasileiro pelo Projeto TAMAR” publicado no livro Conservação de Tartarugas Marinhas no Nordeste do Brasil: Pesquisas, Desafios e Perspectivas em 2016, de autoria de BELLINI, C. e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Elasmobranchs Consumption in Brazil: Impacts and Consequences” publicado no livro Advances in Marine Vertebrate Research in Latin America em 2018 por BORNATOWSKI, H.; BRAGA, R. R., e BARRETO, R.

Website do Ministério do Meio Ambiente (MMA) Portaria MMA 445. Lista de peixes ameaçados de extinção (http://www.icmbio.gov.br/cepsul/images/stories/legislacao/)

Artigo científico intitulado “State of the Global Market for Shark Products” publicado na revista FAO Fisheries and Aquaculture Technical em 2015, de autoria de DENT, F. e CLARKE, S.

Livro “O mito moderno da natureza intocada 3. ed” de autoria de DIEGUES, A., publicado pela editora hucitec; núcleo de apoio à pesquisa sobre populações humanas e áreas úmidas brasileiras/USP em 2001.

Artigo científico intitulado “Extinction risk and conservation of the world’s sharks and rays” publicado na revista eLife em 2014, de autoria de DULVY, N.

Artigo científico intituladoConhecimento ecológico local para auxiliar na avaliação do estado de conservação em contextos de escassez de dados: um estudo de caso com tubarões ameaçados no Nordeste brasileiro” publicado na revista Biodivers Conserv em 2021, de autoria de LEDUC, C.; DE CARVALHO, D.; HUSSEY, E., e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Brazil can protect sharks worldwide” publicado na revista Science em 2021, de autoria de RANGEL, B., BARRETO, R., GIL, N., e colaboradores.

(Editoração: Eduardo Borges e Tássia Biazon)

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