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A poliomielite ameaça a geração alpha

#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)

Como uma antiga doença ameaça a mais nova geração?

DESTAQUES:
• A poliomielite, ou paralisia infantil, pode causar paralisia permanente, sequelas neurológicas e até a morte;
• Foi terrivelmente temida e vacinas foram desenvolvidas com urgência contra ela;
• Após décadas aproximando-nos da erradicação da doença, a poliomielite volta a ser uma ameaça.

A poliomielite é uma doença causada pelo vírus poliovírus que ataca o sistema nervoso e pode levar à paralisia, infecção neurológica e morte. O poliovírus pertence ao gênero Enterovirus, caracterizado por seu desenvolvimento no sistema digestivo; e está dentro da família Picornaviridae devido ao formato de sua estrutura viral.

vacina vacinação poliomielite
Figura 1. Bebês e crianças têm o hábito de colocar na boca as mãos e os pés que podem estar contaminados com o poliovírus. Imagem: https://pediatriadescomplicada.com.br/2018/06/05/meu-bebe-esta-com-2-meses-e-so-falta-engolir-a-maozinha-e-agora/

O poliovírus pode ser transmitido pela via fecal-oral, através da ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes de indivíduos infectados, ou pela via oral-oral, quando ocorre o contato com partículas virais presentes na saliva e em aerossóis. A doença afeta principalmente crianças menores de 5 anos de idade e que são justamente o grupo que realiza maior contato direto de objetos e das mãos com a boca durante as brincadeiras infantis.

Com a infecção estabelecida no corpo, os sintomas apresentados podem ser respiratórios, como febre e dor de cabeça, ou intestinais, como vômito e constipação. Mas, nos casos severos (1/200) ocorre a destruição das células nervosas da medula espinhal causando paralisia irreversível sobretudo nos membros inferiores, sendo que 5% a 10% dos indivíduos afetados morrem por paralisia dos músculos respiratórios.

Foram as sequelas irreversíveis que deram origem ao nome popular pelo qual a doença é conhecida: paralisia infantil. Tão notórias, as sequelas causadas pela poliomielite foram registradas já em uma tábua da civilização egípcia no século XIV a. C. 

poliomielite
Figura 2. Registro de egípcio com sequela semelhante à poliomielite, cerca de 1580-1350 antes de Cristo. Imagem: https://polioeradication.org/polio-today/history-of-polio/

Para além do Antigo Egito, a poliomielite esteve presente em 126 países, incluindo o Brasil, infectando cerca de mil crianças por dia no século XX, principalmente nos países que se encontravam em situação de extrema pobreza.

Seu alto risco individual e seu moderado risco coletivo impulsionaram diversas pesquisas em busca de soluções para esse problema de saúde. Entre elas, destacam-se as dos cientistas John F. Enders, Thomas H. Weller e Frederick C. Robbins, laureados com o prêmio Nobel, que conseguiram propagar o poliovírus em diferentes tipos celulares, descoberta a partir da qual as pesquisas com vacinas puderam evoluir.

A primeira vacina contra poliomielite foi desenvolvida em 1953 pelo cientista e médico americano Jonas Salk, através da inativação do poliovírus. Ela foi amplamente testada clinicamente em 1954, utilizando 1,8 milhões de crianças dos EUA, Canadá e Finlândia, com resultados de 80% a 90% de eficácia.

Então, no ano de 1955, essa vacina passou a ser utilizada de forma injetável nas campanhas de vacinação dos Estados Unidos da América. A segunda vacina eficiente contra a paralisia infantil foi criada pelo cientista e médico polonês Albert Sabin em 1961, por meio da atenuação do vírus e com administração via oral – razão pela qual é popularmente chamada de “gotinha”.

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Figura 3. “Zé Gotinha” é um personagem amigável e temático em forma de gota desenvolvido para estimular a vacinação infantil contra a poliomielite no Brasil em 1986. Imagem: https://www.youtube.com/watch?v=hfkSORTX8_s

Ambas as vacinas foram largamente utilizadas com urgência, visando a erradicação dessa ameaçadora doença.  O empenho das campanhas de vacinação atribuído ao longo dos anos foi eficaz e reduziu o número de casos de poliomielite em mais de 99%, o que em números significa que o total de 350.000 casos no ano de 1988 foi reduzido para 29 casos notificados no ano de 2018.

Além disso, dos países anteriormente afetados, somente 2 países são endêmicos para poliomielite atualmente: o Paquistão e o Afeganistão. Entretanto, a existência de apenas dois países endêmicos é suficiente para gerar 200.000 novos casos de paralisia infantil em todo o mundo por meio da “importação do vírus” através de viagens internacionais e transações comerciais entre países com baixa cobertura vacinal contra a doença.

No mundo globalizado do século XXI, a importação do poliovírus dos países endêmicos é uma possibilidade constante e, portanto, é fundamental que a cobertura vacinal esteja em dia, impedindo a circulação do vírus entre os indivíduos. No Brasil, a cobertura vacinal tem a meta de 95% das crianças até 5 anos de idade imunizadas contra poliomielite. Contudo, a cobertura vacinal no nosso país vem caindo bruscamente, chegando a uma queda de 21% em 2017.

Segundo o departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS), em 2021 somente 30% de todas as crianças de até 1 ano de idade foram vacinadas com a primeira dose. E é preciso relembrar que o alívio da erradicação da poliomielite no país em 1994 só foi possível com a vacinação completa de 95% de todas as crianças brasileiras até os 5 anos de idade.

Infelizmente, a perda do status de país livre de poliomielite está ocorrendo com diversos países em todo o mundo. Após trinta anos de conquistas, há 28 países com retorno da paralisia infantil devido à queda de suas coberturas vacinais; 33 países na região do Mediterrâneo Oriental, na África e na Europa (incluindo Ucrânia e Israel) estão sofrendo com surtos da doença; em grave risco de retorno estão o Haiti, o Peru, a República Dominicana e a Venezuela; assim como também estão em alto risco a Argentina, a Bolívia, o Equador, o Panamá, o Paraguai e o Brasil. Algumas das razões para a queda na vacinação são: religião, pobreza, medo, teorias da conspiração e o isolamento social durante a pandemia de COVID-19.

Assim, cientes de que a vacinação é a única forma de erradicar a doença, as campanhas de vacinação se intensificaram em todos os países. No Brasil está em vigor a campanha “Paralisia Infantil: a ameaça está de volta” com o objetivo de conscientizar os pais e/ou responsáveis a levar todas as crianças menores de 5 anos que não estejam com a imunização completa contra poliomielite a qualquer Posto de Saúde em sua região para receberem a primeira dose ou a dose de reforço pela vacina injetável ou pela vacina oral, que são distribuídas gratuitamente pelo SUS e estão previstas no Plano Nacional de Imunização. As crianças podem ser levadas com ou sem o cartão de vacinação, pois este pode ser fornecido imediatamente. Tanto as consequências da negligência quanto os benefícios da vacinação começam na infância e duram a vida toda. 

Mais informações podem ser obtidas pelo site da campanha: www.paralisiainfantil.com.br.

 

Colaboração:

Pamela Beatriz de Menezes Lemos sobre a autora

Licenciada em Ciências Biológicas, Especialista em Gestão Ambiental e atualmente Mestranda em Ciências (Parasitologia e Imunologia Aplicadas) pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Infectologia da UFTM. Faz pesquisas na área da Doença de Chagas e palestras sobre vacinação.

 

Referências:

Campanha de vacinação intitulada “Paralisia Infantil: a ameaça está de volta”, realizada de agosto a setembro pela Sociedade Brasileira de Imunizações em 2022 (www.paralisiainfantil.com.br).

Livro “Virologia Humana”, de autoria de Santos, N., Romanos, M., Wigg, M., e colaboradores, publicado pelo Grupo GEN em 2021.

Matéria na Revista Pesquisa FAPESP intitulada “As razões da queda na vacinação” publicada em 2018 (http://revistapesquisa.fapesp.br/2018/08/17/as-razoes-da-queda-na-vacinacao/).

Matéria no site da BIO-MANGUINHOS (Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz) intitulada “Poliomielite: sintomas, transmissão e prevenção”, publicada em 2022 (https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/poliomielite-sintomas-transmissao-e-prevencao).

Site da Organização Pan-Americana da Saúde (https://www.paho.org/pt/topicos/poliomielite

Site da Iniciativa de Erradicação Global da Pólio (https://polioeradication.org/polio-today/history-of-polio/)

Vídeo “Zé Gotinha, a história”, de autoria de Darlan Rosa (https://www.youtube.com/watch?v=hfkSORTX8_s)

(Editoração: Fernando F. Mecca e Loren Pereira)

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