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Estudo feito por crianças demonstra que abelhas podem resolver quebra-cabeças

Abelhas de Blackawton

 

Resumo

A ciência não precisa ser feita apenas por cientistas diplomados, imersos em um laboratório distante da sociedade. A educação científica busca corrigir esta visão estereotipada, estimulando o interesse da sociedade pela ciência. Este trabalho é um exemplo da possibilidade de se fazer ciência em espaços públicos e desenvolver o pensamento científico das crianças. O estudo foi realizado com a colaboração de 25 crianças entre 8 e 10 anos da Escola Primária Blackawton, na Inglaterra. Elas fizeram as perguntas, desenvolveram hipóteses, planejaram os experimentos para testar essas hipóteses, analisaram os dados e ajudaram a escrever o artigo, que teve como objetivo testar se as abelhas usam padrões e combinações de cores para encontrar o caminho até as flores.

 

Introdução 

As abelhas dependem das flores para coletar seu alimento: o pólen e o néctar. Entretanto, na natureza existem flores que não são benéficas para as abelhas, além de existirem flores cujo pólen e néctar já foram coletados por outros indivíduos. Isso significa que é importante que as abelhas aprendam quais flores elas devem visitar ou evitar. Para tanto, elas precisam memorizar as flores ao seu redor, como em um quebra-cabeça! Buscando entender como as abelhas se comportam, as crianças da Escola Primária Blackawton, na Inglaterra, desenvolveram perguntas sobre a capacidade das abelhas aprenderem a usar relações espaciais entre cores e descobrir quais flores tinham água com açúcar (de boa qualidade) e quais tinham água salgada (de má qualidade). As abelhas foram então submetidas a uma série de desafios para que fosse analisada sua capacidade de resolver o quebra-cabeças.

 

Material & Métodos

O experimento foi realizado em uma arena cúbica feita de acrílico, nas medidas 1x1x1m. Dentro da arena, havia 64 discos de acrílico iluminados, que representavam as “flores”. Uma parede de alumínio em forma de cruz foi posicionada dentro da arena, criando quatro painéis de 16 discos cada. Os discos possuíam tubos no centro que foram preenchidos com água açucarada (representando néctar), água salgada ou ficavam vazios. Desta forma, a arena funcionou como um prado de flores artificiais em que as abelhas poderiam forragear. As abelhas utilizadas no experimento foram da espécie Bombus terrestris.

Antes de começar o experimento, as abelhas passaram por duas fases de treinamento. Na primeira fase, foram ensinadas a visitar os tubos de acrílico como se eles fossem flores. Para tanto, todos os círculos em cada painel foram mantidos em branco e todos os tubos tinham água com açúcar. Depois que as abelhas aprenderam que as “flores” continham uma recompensa, o quebra-cabeça foi montado, dando início à segunda fase de treinamento.

O quebra-cabeça foi construído da seguinte forma: em dois dos painéis de 16 círculos, foram montados 12 círculos amarelos externos circundando quatro círculos azuis internos. Os outros dois painéis foram montados com as cores de forma oposta: 12 círculos azuis circundando quatro círculos amarelos (Figura 1a). A recompensa (água com açúcar) foi colocada apenas nos quatro círculos internos. A cada 10-40 min, os painéis foram trocados de lugar, de modo que as abelhas não pudessem memorizar a localização das “flores” com recompensa. Logo, elas aprenderam que, se o painel tivesse círculos azuis externamente, elas teriam que ir para os quatro círculos amarelos internos. No entanto, se os círculos externos fossem amarelos, elas teriam que ir para os quatro círculos azuis internos. Nos primeiros dois dias de treinamento, a água açucarada foi colocada apenas nos quatro círculos internos de cada painel e os círculos externos permaneceram vazios. Nos dois dias seguintes, adicionou-se água salgada nos círculos externos. Desta maneira, as abelhas aprenderam a encontrar a recompensa usando não só as cores, mas também o padrão de disposição.

Figura 1: Condições e respostas para o “Teste 1” (controle). (a) Padrão de cores em que as abelhas foram treinadas e testadas; (b) Seleções feitas por todas as abelhas testadas (os pontos mostram onde cada abelha pousou e tentou coletar água com açúcar); (c) Tabela mostrando as preferências de cada abelha. Imagem: modificada de Blackawton et al., 2011

Após completarem as duas fases de treinamento, foi finalmente iniciada a fase principal da experimentação.  As abelhas foram testadas usando o mesmo padrão de cores, mas sem água com açúcar ou água salgada, para que fosse observado quais “flores” elas iriam visitar. A localização dos painéis também foi modificada, de forma diferente do treinamento. As “flores” escolhidas pelas abelhas foram marcadas em uma folha de papel representando os quatro painéis de 16 círculos (Figura 1b). Sempre que as abelhas pousavam em uma “flor” e colocavam a “língua” (probóscide) no tubo de acrílico, o círculo correspondente era marcado na folha. Cada abelha fez três testes, cada um com cerca de 30 escolhas antes de interromper o experimento.

 

Resultados

No primeiro dos três testes (controle), as abelhas receberam o mesmo padrão do treinamento. Para as abelhas resolverem o quebra-cabeça, elas deveriam pousar nas “flores” do meio de cada quadrado e colocar a “língua” no tubo que não continha recompensa (veja o resultado na Figura 1). O experimento foi realizado com quatro abelhas. A Figura 1c mostra que as abelhas foram para as “flores” do meio 126 vezes e para as “flores” externas 13 vezes, ou seja, 90,6% de sucesso das tentativas. A Figura 1c também mostra quantas vezes cada abelha visitou as “flores” corretas (que tinham recompensa durante o treinamento) e incorretas, azuis e amarelas. Isso mostrou que algumas abelhas podem ter preferências pelas cores.

No segundo teste os círculos do meio eram verdes (Figura 2a), para analisar se as abelhas aprenderam a ir para o meio de cada painel, ignorando a cor. No total, as abelhas foram para as “flores” verdes do meio apenas 34 vezes, e para as “flores” externas azuis e amarelas 76 vezes (veja Figura 2b). Das cinco abelhas estudadas nesse teste, duas foram mais vezes para os círculos verdes, enquanto as outras três foram mais vezes para os círculos ao redor.

Figura 2: Condições e respostas para o “Teste 2”. (a) Padrão de cores em que as abelhas foram testadas; (b) Tabela mostrando as preferências de cada abelha. Imagem: modificada de Blackawton et al., 2011

No terceiro teste, o padrão de distribuição das cores dos círculos foi modificado (veja Figura 3a). Isso foi feito para avaliar se as abelhas iriam para as cores menos abundantes de cada painel ou se elas ainda preferiam ir para o meio. As abelhas foram para os círculos nos cantos 59 vezes e para os demais 86 vezes (Figura 3b). Isso pode significar que as abelhas selecionaram as flores aleatoriamente e não aprenderam a ir para as da cor mais escassa em cada painel.

Figura 3: Condições e respostas para o “Teste 3”. (a) Padrão de cores em que as abelhas foram testadas; (b) Tabela mostrando as preferências de cada abelha. Imagem: modificado de Blackawton et al., 2011

 

Discussão

O primeiro teste demonstrou que as abelhas aprenderam a resolver o quebra-cabeça, pois elas visitaram as “flores” corretas na maioria das vezes. As abelhas poderiam usar as seguintes estratégias: ir para as “flores” do meio em cada painel e ignorar a cor ou ir para o amarelo, se cercado de azul, ou para o azul, se cercado de amarelo.

O resultado do segundo teste mostra que três das abelhas preferiram ir para as cores que haviam aprendido no treinamento e evitaram as “flores” verdes do meio. Duas abelhas, no entanto, foram principalmente para as “flores” do meio. Isso mostra que elas aprenderam a resolver o quebra-cabeça usando regras diferentes. O terceiro teste demonstrou que as abelhas não iam apenas para qualquer flor do meio. Elas pareciam selecionar as flores aleatoriamente, mas continuavam a ir para sua cor “favorita”.

Concluindo, as abelhas podem resolver quebra-cabeças aprendendo regras complexas. Elas são capazes de memorizar os diferentes padrões de localização das flores e decidir qual deve visitar. Isso pode ajudá-las a obter mais pólen e néctar das flores sem desperdiçar energia durante o forrageamento. Além disso, este trabalho serviu de porta de entrada para os pequenos cientistas na experimentação e redação científica, que em suas próprias palavras concluíram que “a ciência é legal e divertida porque você faz coisas que ninguém jamais fez antes!”.

 

Pesquisa ao seu alcance: Letícia Cândida Pataca

sobre a autora

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Blackawton bees”, publicado pela revista Biology Letters, em 2011, de autoria de Blackawton, P.S.; Airzee, S.; Allen, A.; … & Lotto, R.B. O artigo original pode ser acessado em http://rsbl.royalsocietypublishing.org/content/7/2/168

(Editoração: Priscila Rothier, Gabriela Duarte e Caio Oliveira) 

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