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Exposição à luz solar afeta a temperatura corporal de tubarões

#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Curiosidades sobre tubarões, relação da temperatura corporal e afins

Sobre
● Categoria: Artigo – Revista Eletrônica Frontiers for Young Minds
● Título Original: Exposure to Sunlight Affects the Body Temperatures of Sharks
● Ano de publicação: 2020
● Link do artigo original: https://kids.frontiersin.org/articles/10.3389/frym.2020.00126

Resumo

Você sabia que os tubarões às vezes são expostos a situações que podem machucá-los? Por serem grandes e ferozes, os tubarões são bastante visados em torneios de pesca. Durante a captura, os tubarões são frequentemente retirados da água e expostos ao sol. Como a saúde dos tubarões está intimamente ligada à temperatura do seu corpo, nos questionamos se essa exposição ao sol os afetaria. Para testar essa hipótese, usamos uma câmera especial que pode registrar o calor que sai da superfície do corpo do tubarão. Descobrimos que algumas espécies de tubarões são mais sensíveis ao sol e esquentam mais rapidamente do que outras. Surpreendentemente, também descobrimos que os padrões de aquecimento pelo corpo variam em diferentes espécies. Este estudo é importante porque nos ajuda a entender como a pesca pode afetar os tubarões de diferentes maneiras, mesmo que os tubarões sejam devolvidos vivos à água.

MEDIDA DE SEGURANÇA – NUNCA DEIXE UM TUBARÃO FORA D’ÁGUA

Enquanto mamíferos marinhos, como baleias, focas e golfinhos podem manter seus corpos aquecidos mesmo em águas frias, a maioria dos tubarões não conseguem fazer isso. A temperatura corporal dos tubarões é geralmente a mesma da água ao seu redor. Inclusive, a temperatura da água afeta as atividades diárias de um tubarão, como nadar e caçar [1]. Quanto mais quente a água, mais ativos os tubarões tendem a ficar.

Infelizmente, muitos tubarões são mortos por sua carne e barbatanas, o que resultou em muitas espécies se tornarem ameaçadas de extinção [2]. Em muitos lugares, as pessoas também pescam tubarões como esporte. Os tubarões são frequentemente alvos da pesca esportiva, pois são grandes e vorazes. Tubarões capturados por esporte geralmente são devolvidos ao oceano. Devolvê-los ao mar é muito importante porque os grandes tubarões são superpredadores e ajudam a manter um equilíbrio saudável no ecossistema oceânico.

Lamentavelmente, alguns tubarões que são devolvidos vivos na água podem morrer algumas horas depois, seja pelo estresse da captura ou pelo que aconteceu com eles antes de serem soltos. Quando são capturados por pescadores, podem ficar extremamente incomodados ​​​​por sofrer com a mudança rápida na temperatura da água ao seu redor.  Muitas das  vezes estão nadando em águas profundas e frias quando são fisgados, mas então são trazidos rapidamente à superfície pela linha de pesca, onde são expostos a águas mais quentes, que foram aquecidas pelo sol [3]. Além disso, os tubarões são frequentemente removidos da água e expostos ao sol antes de serem devolvidos ao oceano.

Como a saúde do tubarão está intimamente relacionada à temperatura corporal, nos perguntamos se a exposição ao sol poderia aumentar  a sua temperatura corporal . Para testar essa ideia, estudamos como a temperatura corporal dos tubarões muda quando são retirados da água e expostos ao sol por alguns minutos. Queríamos descobrir se estes  aquecem rapidamente. Também estávamos curiosos para saber se diferentes espécies de tubarões seriam impactadas de maneiras diferentes, e se algumas partes do corpo de um  aqueceriam mais rápido ou chegariam a uma temperatura mais alta do que outras. Para responder a essas perguntas, tiramos fotos de tubarões com uma câmera termográfica, que é uma câmera especial que pode fotografar e medir o calor liberado pelo corpo dos tubarões e outros animais.

ESTUDANDO TUBARÕES

Nós nos juntamos a uma equipe de cientistas na Flórida (Estados Unidos) que estão estudando os movimentos e a saúde dos tubarões. Esses cientistas precisam capturar os tubarões para medi-los e marcá-los com “etiquetas” antes de soltá-los de volta na água. Foram nesses momentos que filmamos e fotografamos os tubarões com a câmera termográfica (Figura 1). Cada tubarão foi fotografado assim que foi retirado da água e novamente logo antes de ser devolvido à água. Para ajudar os tubarões a respirar fora d’água usando suas brânquias, uma mangueira conectada a uma bomba de água do mar foi colocada dentro de suas bocas. Também medimos as temperaturas da água e do ar e comparamos esses valores com as temperaturas corporais dos tubarões.

tubarão tubarões
Figura 1. Uma fêmea de tubarão-galha-preta sendo termografada por nossa equipe. Você pode ver a mangueira na boca do tubarão, que está fornecendo água fresca do oceano para suas brânquias.

NÓS DESCOBRIMOS COISAS MUITO INTERESSANTES SOBRE OS TUBARÕES QUE ESTUDAMOS!

Fotografamos 62 tubarões com a câmera termográfica, incluindo machos, fêmeas, adultos e tubarões juvenis. O menor foi uma fêmea de tubarão-galha-preta, medindo 105,5 cm, e o maior um tubarão-martelo macho, medindo 340 cm. As temperaturas da água ficaram entre 20 e 32°C e as temperaturas do ar entre 21 e 34°C.

Nós estudamos 10 espécies diferentes de tubarões e descobrimos algumas coisas muito interessantes! Os tubarões-galha-preta são os que aqueceram mais rapidamente e também bem uniformemente ao longo de seus corpos. As cabeças dos tubarões-martelo aqueceram mais rápido que o resto de seus corpos. Para tubarões-lixa, os lados de seus corpos se aqueceram mais do que as outras partes.

No momento da captura, as cabeças dos tubarões-cabeça-chata estavam mais quentes do que o resto de seus corpos. No entanto, tanto para os tubarões-lixa quanto para os tubarões-cabeça-chata, suas temperaturas como um todo não mudaram muito enquanto estavam fora da água. Por fim, também descobrimos que, para a maioria das espécies (tubarão-limão, tubarão-negro, tubarão-corre-costa, tubarão-de-focinho-negro e tubarão-tigre), quanto menor o tubarão, mais quente fica a temperatura do corpo quando exposto à luz solar (Figura 2).

tubarão tubarões
Figura 2. As espécies de tubarões que estudamos, vistas com e sem câmera térmica. A escala de temperatura, mostrada à direita de cada imagem, está em °C. Você pode ver que os tubarões estão se aquecendo de maneiras diferentes pelas mudanças de cor mostradas pela câmera.

AGORA SABEMOS QUE O SOL AFETA OS TUBARÕES, MAS POR QUE ISSO É IMPORTANTE?

Nosso estudo revelou que a exposição ao sol quando são capturados por pescadores pode alterar a temperatura corporal dos tubarões. Isso pode acabar afetando a saúde e a sobrevivência destes, mesmo que sejam lançados vivos de volta à água. Surpreendentemente, também descobrimos que os padrões de aquecimento nos corpos dos tubarões são diferentes para diferentes espécies. Nos tubarões-galha-preta, o corpo inteiro aqueceu mais rápido e de maneira uniforme, mostrando que todas as partes de seu corpo são sensíveis ao sol. Outros estudos mostram que os galha-preta são muito sensíveis às mudanças de temperatura, e que até mudam de habitat se a temperatura da água subir muito [4]. Infelizmente, tubarão-galha-preta é a espécie de tubarões mais pescadas por esporte nos Estados Unidos.

As temperaturas mais altas que medimos foram nas cabeças dos tubarões-martelo, que aumentaram 7°C em menos de 5 minutos! Como suas cabeças são muito longas e muito finas, o aquecimento acontece mais rápido do que para outros tubarões, o que é possivelmente mais perigoso. O aquecimento da cabeça não é bom, porque o superaquecimento do cérebro pode causar muitos danos. Tubarões-martelo são conhecidos por serem muito sensíveis à captura, muitas vezes morrendo rapidamente quando capturados [5]. Portanto, essa espécie não é uma boa candidata para a pesca esportiva e deve ser liberada imediatamente sem ser retirada da água para permitir que esses tubarões sobrevivam.

Em contraste com outras espécies de tubarões, os tubarões-lixa ficaram mais quentes nas laterais de seus corpos logo após a captura. Como a câmera térmica pode detectar o calor liberado pelos músculos após o exercício, acreditamos que o calor que medimos nas laterais dos tubarões-lixa esteja relacionado à atividade muscular. Os tubarões-lixa lutam muito na linha de pesca, rodando várias vezes em torno de si próprios, da mesma maneira que os crocodilos fazem. Isso é muito interessante, porque a maioria dos tubarões não consegue produzir calor suficiente em seus músculos para aquecer seus corpos. Nosso estudo sugere que os tubarões-lixa podem ter essa capacidade.

Ao contrário das cabeças dos tubarões-martelo, que esquentaram com a exposição ao sol, as cabeças dos tubarões-cabeça-chata já estavam mais quentes do que o resto de seus corpos no momento da captura. A capacidade de um animal de regular a temperatura de sua cabeça é chamada de endotermia craniana. A endotermia craniana é observada em alguns peixes, como as arraias e os marlins. Isso pode ser muito bom para predadores, como tubarões-cabeça-chata que caçam em água doce onde a visibilidade é baixa, porque cérebros e olhos mais quentes permitem que um animal pense e veja melhor, ajudando-o a encontrar sua presa em ambientes mais escuros.

Todos os outros tubarões estudados reagiram ao sol da mesma forma: quanto menor o tubarão, mais ele aqueceu. Isso é um problema quando se trata de pesca, pois os tubarões jovens são mais vulneráveis que os adultos.

Por último, mas não menos importante, usando a matemática, nós calculamos o que aconteceria se os tubarões fossem expostos ao sol por um tempo mais longo, como horas [6]. Descobrimos que quanto mais tempo o tubarão estiver fora da água, maior ficará a temperatura do seu corpo. Isso pode ser um grande problema para a saúde de um tubarão caso ele seja mantido em águas superficiais ou até mesmo retirado da água por um longo período durante a pesca.

Além disso, os cientistas preveem que a temperatura do oceano deve aumentar por causa das mudanças climáticas. Isso afetará as espécies de tubarões que vivem perto da superfície, uma vez que as águas superficiais serão aquecidas mais rapidamente pelo sol. Os biólogos marinhos preveem que, como resultado das mudanças climáticas e do aumento da temperatura da água do mar, algumas espécies de tubarões procurem novos lugares para viver, enquanto outras espécies podem desenvolver problemas de pele ou olhos.

Nossas descobertas mostram como é importante usar novas tecnologias como a câmera termográfica para estudar animais, pois podemos aprender muitas coisas fascinantes com apenas um clique! Os tubarões podem parecer grandes e ferozes, mas enfrentam muitos desafios. Portanto, estudos como este são importantes para nos ajudar a entender como os tubarões responderão à pesca e às mudanças climáticas, e o que os humanos podem fazer para ajudar a conservá-los.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram que a pesquisa foi conduzida na ausência de qualquer relação comercial ou financeira que possa ser interpretada como potencial conflito de interesses.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Programa de Pesquisa e Conservação de Tubarões da Universidade de Miami pelo apoio à pesquisa. Agradecemos também ao jovem revisor e sua mentora Ester Dias por seus comentários extremamente valiosos e grande interesse em nosso estudo. Por fim, gostaríamos de agradecer ao editor Pedro Morais por sua excelente orientação durante a revisão, tornando nosso estudo mais adequado para o público jovem.

 

Colaboração:

Eduardo Domingos Borges  sobre o autor           

Eduardo é biólogo e mestre em ciências com ênfase em Reprodução Humana pela Universidade de São Paulo. Tem experiência com a revisão e tradução de textos científicos, e grande interesse pela divulgação científica. É cofundador da Ilha do Conhecimento, onde atua como editor de textos.

Artigo Original:

Wosnick N, Monteiro-Filho E and Hammerschlag N (2020) Exposure to Sunlight Affects the Body Temperatures of Sharks. Front. Young Minds. 8:126. doi: 10.3389/frym.2020.00126

Referências:

[1] Bernal, D., Carlson, J. K., Goldman, K. J., and Lowe, C. G. 2012. Energetics, Metabolism, and Endothermy in Sharks and Rays. Biology of Sharks and Their Relatives. 2nd Edn. Boca Raton, FL: CRC Press.

[2] Shiffman, D. S., and Hammerschlag, N. 2016. Shark conservation and management policy: a review and primer for non-specialists. Anim. Conserv. 19:401–12. doi: 10.1111/acv.12265.

[3] Wosnick, N., Niella, Y. V., Navas, C. A., Monteiro-Filho, E. L., Freire, C. A., and Hammerschlag, N. 2019. Multispecies thermal dynamics of air-exposed ectothermic sharks and its implications for fisheries conservation. J. Exp. Mar. Biol. Ecol. 51:1–9. doi: 10.1016/j.jembe.2019.01.002.

[4] Kajiura, S. M., and Tellman, S. L. 2016. Quantification of massive seasonal aggregations of blacktip sharks (Carcharhinus limbatus) in Southeast Florida. PLoS ONE. 11:e0150911. doi: 10.1371/journal.pone.0150911.

[5] Gallagher, A. J., Hammerschlag, N., Shiffman, D. S., and Giery, S. T. 2014. Evolved for extinction: the cost and conservation implications of specialization in hammerhead sharks. Bioscience 64:619–24. doi: 10.1093/biosci/biu071.

[6] Wosnick, N., Navas, C. A., Niella, Y. V., Monteiro-Filho, E. L., Freire, C. A., and Hammerschlag, N. 2018. Thermal imaging reveals changes in body surface temperatures of blacktip sharks (Carcharhinus limbatus) during air exposure. Physiol. Biochem. Zool. 91:1005–12. doi: 10.1086/699484.

(Editoração: Loren Pereira)

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